Opinião | 15-10-2021 09:45

O Benfica e a democracia à portuguesa

Neste momento a liga portuguesa está reduzida a quatro clubes: Benfica (que representa metade da população portuguesa, o que é um caso único na Europa), Sporting (o alter ego do Benfica), Porto (que reproduz o modelo presidencialista e opaco do Real Madrid de Florentino Pérez) e Guimarães (uma verdadeira aldeia de Astérix que se recusa a render-se ao poder do triunvirato de Roma).

O futebol é sempre o espelho do modelo de desenvolvimento de um país. Enquanto os outros países da UE se empenham na coesão territorial e no aumento da competitividade das suas ligas, Lisboa empenha-se no esvaziamento do território nacional. Neste momento, a liga portuguesa está reduzida a quatro clubes, no verdadeiro sentido da palavra: Benfica (que representa metade da população portuguesa, o que é um caso único na Europa), Sporting (o alter ego do Benfica), Porto (que reproduz o modelo presidencialista e opaco do Real Madrid de Florentino Pérez) e Guimarães (uma verdadeira aldeia de Astérix que se recusa a render-se ao poder do triunvirato de Roma).

São, aliás, os próprios benfiquistas que reconhecem a inexistência física da maioria dos clubes contra quem jogam, quando se gabam publicamente de jogar todos os jogos em casa. Sendo certo que é impossível qualquer clube do interior ou do Alentejo conseguir conquistar adeptos, quando a Fundação Benfica desenvolve, no território nacional, com o apoio das autarquias (ou não fossem as autarquias verdadeiras feitorias de Lisboa), o mesmo trabalho de conversão dos indígenas que os missionários desenvolviam nas antigas colónias. E, sendo o Benfica a maior instituição portuguesa pelo peso esmagador dos seus adeptos, é um bom indicador da forma como os portugueses olham para o país e para a democracia.

No último fim-de-semana, decorreram as eleições no Benfica, tendo a afluência às urnas (41.000 eleitores) revelado a grande vitalidade do clube, apenas superada a nível europeu pelo Barcelona (55.000 eleitores). No entanto, a comparação com o Barça fica-se pela afluência às urnas.

Quando um europeu fala em democracia, refere-se, obviamente, às democracias como são entendidas no Ocidente. E a regra mais elementar das democracias ocidentais é esta: UM HOMEM, UM VOTO. Sem cumprir esta regra, não há democracia, tal como é entendida pelos ocidentais. E a verdade é que, quase 50 anos após o 25 de Abril, esta regra ainda continua arredada dos estatutos do Benfica, o que significa que a maior instituição portuguesa continua a ter regras que nem o Partido Comunista já tem a coragem de professar, sem que isso incomode ou escandalize os benfiquistas.

Além disso, assistimos na última Assembleia do Benfica à discussão do regulamento eleitoral, centrado em três pontos que fazem qualquer democrata ficar estarrecido: o voto em urna transparente, a contagem dos votos logo após o fecho das urnas e os debates na televisão do clube. Ora, o simples facto de os benfiquistas terem permitido a realização de sucessivas eleições sem que essas condições se verificassem é a prova provada de que os portugueses não nutrem qualquer apreço pelos valores das democracias ocidentais.

Não é, pois, de admirar que o último presidente do Benfica considerasse que “democracia a mais” fazia mal ao Benfica ou que o penúltimo presidente do Benfica tivesse apelado ao “bico calado” dos benfiquistas. Acontece que quer os benfiquistas, quer os portugueses têm o direito de saber e ser esclarecidos sobre as suspeitas que incidem sobre a maior instituição portuguesa que, por sinal, é de utilidade pública. Com efeito, tal como acontece com os abusos sexuais na Igreja Católica, não só não é necessário ser cristão para ter direito a saber a verdade como deve ser a própria instituição a ter a preocupação de fazer a investigação, de esclarecer os cidadãos e de tomar as medidas adequadas, sem esperar pelos inquéritos judiciais.

A democracia, tal como é entendida pelos ocidentais, comporta sempre um grande ruído, quer pela alternância democrática, quer pela exigência da transparência das administrações. Mas é precisamente esse ruído que mantém as instituições vivas e as administrações sadias.

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