Opinião | 19-10-2021 17:09

Lepanto e liberdade

É escabrosamente significativo verificar que um jovem com menos de 16 anos não pode entrar numa praça de toiros, mas que, com essa mesma idade, pode renunciar ao seu nome masculino ou feminino se se assumir como transsexual.

No dia 7 de Outubro de 1571 – há 450 anos -, deu-se a maior batalha naval do séc. XVI, a batalha de Lepanto. Nesta, a Santa Liga criada sob os auspícios do Papa Pio V e constituída pelos Estados papais, a Espanha, as Repúblicas de Veneza e Génova, os ducados de Saboia, Urbino e Parma e os Cavaleiros da Ordem de Malta, venceu, no golfo de Patras, as forças navais otomanas, elas também constituídas por diferentes nacionalidades.

Enquanto a Santa Liga era comandada por D.João de Áustria – filho natural de Carlos V –, as forças turcas eram lideradas por Ali Paxá, o qual veio a falecer na batalha.

A vitória dita cristã – modo assaz simplista de analisar o confronto -, cerceou as ambições navais otomanas no Mediterrâneo.

Mas regressando à contenda naval, consta que uma das vantagens decisivas dos cristãos foi o estatuto livre dos seus remadores, estatuto esses que resultou de duas realidades:

  1. os remadores das galés otomanas eram todos escravos acorrentados, ao passo que os das galés venezianas – a força maioritária do lado cristão – eram todos cidadãos livres;

  2. já os remadores das galés espanholas não eram escravos, mas sim condenados de delitos comuns. D.João de Áustria, talvez inspirado pelos venezianos, terá determinado a sua libertação, prometendo-lhes a liberdade em caso de vitória.

Ou seja, os cristãos, ao incensarem a liberdade, acrescentaram uma enorme vantagem competitiva na peleja que acabariam por vencer. Uma vez mais, a liberdade assomou-se como uma condição axiomática na história da humanidade.

No entanto, hodiernamente, ditaduras sibilinas pretendem desconstruir os valores cristãos e iluministas onde assenta a liberdade ocidental, pretendendo impor, “à outrance”, as suas convicções, designadamente: o fim da objecção de consciência em processos de morte a pedido, a adopção de uma patética ideologia que visa negar a realidade biológica de homens e mulheres – como se a liberdade fosse o mesmo que o despotismo volúvel da vontade -, a legislação burlesca de preceitos sobre ditos transsexuais nas escolas portuguesas, a descontextualização exterminadora dos processos históricos em geral e da história de Portugal em particular e a recente limitação do acesso de jovens menores de 16 anos a corridas de toiros.

Aliás, é escabrosamente significativo verificar que um jovem com menos de 16 anos não pode entrar numa praça de toiros, mas que, com essa mesma idade, pode renunciar ao seu nome masculino ou feminino se se assumir como transsexual, fazendo valer a sua vontade face à evidência civil do seu nome.

Historicamente, sempre foi verdade que minorias bem organizadas se conseguem impor a maiorias amorfas e indolentes. Todavia, são sempre processos dolorosos, revolucionários e profundamente destrutivos.

Note-se que, entre outros valores, o niilismo nega a existência de Deus e de qualquer padrão moral, apontando para o vazio, numa concepção da vida sem qualquer sentido, a que resta apenas a espera pela morte. Nietzsche e Heidegger vêm mesmo o niilismo como nosso destino histórico e trágico. Parece, pois, que alguém nos quer empurrar por aqui.

Ao invés, a genuína liberdade das democracias ocidentais ditas capitalistas, assenta em valores culturais que resultam – quer se goste, quer não se goste – da história dinâmica da hermenêutica cristã e do iluminismo que a desafiou - mas que dela proveio – e não pode ser extinta por projectos desconstrutivos que visam o vazio e o desânimo, projectos, esses sim, travestidos de apócrifas liberdades conducentes à morte da “alma”.

Rememos sim, mas em liberdade.

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