Cheque-mate
Fui um dos grandes opositores à construção da Central do Pego, por ser uma das centrais mais poluentes e que já só eram construídas em países de terceiro-mundo. Procurei mobilizar os alunos e professores da minha escola e os munícipes do meu concelho ( : ). No entanto, apesar de todo o meu esforço e empenho, as únicas pessoas que verdadeiramente consegui sensibilizar para o problema foram os meus filhos.
Aferir a inteligência ou a estupidez do povo pelo sentido maioritário do seu voto não é muito inteligente, desde logo pelo facto de o povo ser uma abstracção. E o facto de uma pessoa votar mal não significa necessariamente que seja estúpida.
Eu, pessoalmente, não me considero estúpido (hoje já não tenho tanta certeza disso) e arrependi-me quase sempre do meu voto, poucos meses após o depositar na urna. E porquê? Porque fui enganado. Votei em determinado candidato porque acreditei naquilo que ele disse que ia fazer e depois fez precisamente o contrário. Fui estúpido? Provavelmente. Sendo certo que é muito difícil fazer a melhor escolha, quando temos de eleger o produto com base exclusivamente nas promessas do vendedor e sem poder devolver a mercadoria no caso de termos sido enganados.
No entanto, eu não sou exemplo para ninguém, porque felizmente gozo de uma independência que poucas pessoas têm em Portugal e isso faz toda a diferença. Com efeito, a maioria dos eleitores dos países pobres, como é o caso do nosso, votam sobretudo a pensar no dia de hoje, ou seja, com a barriga. E quem vota com a barriga não tem condições para se preocupar com o futuro de Portugal e com as gerações futuras. A sua preocupação é conseguir almoçar e jantar todos os dias e, por isso, vota em quem acha que lhe garante esse mínimo de subsistência. Pode ser um voto estúpido, tendo em conta o futuro do país e do planeta, mas é um voto inteligente do ponto de vista das suas necessidades imediatas.
Vou-lhes dar um exemplo. No final do século passado, fui um dos grandes opositores à construção da Central do Pego, por ser uma das centrais mais poluentes e que já só eram construídas em países de terceiro-mundo. Procurei mobilizar os alunos e professores da minha escola e os munícipes do meu concelho, através de diversas iniciativas. No entanto, apesar de todo o meu esforço e empenho, as únicas pessoas que verdadeiramente consegui sensibilizar para o problema foram os meus filhos.
Como hoje se constata, a minha luta tinha inteira razão e fundamento. No entanto, naquele tempo, tal como hoje, as pessoas dos países pobres estão mais preocupadas em garantir a sua sustentabilidade imediata e da sua família do que a sustentabilidade do planeta.
Sem esquecer o mundo das eleições autárquicas onde os eleitores da esmagadora maioria dos municípios de baixa densidade populacional não têm verdadeira liberdade de voto, porque dependem totalmente do cacique local. Com efeito, na esmagadora maioria dos municípios portugueses, tendo em conta o pequeno colégio eleitoral (a esmagadora maioria tem menos de 50 mil eleitores), há um candidato que dispõe do livro de cheques da câmara para comprar os votos necessários para garantir a sua vitória nas urnas. É assim de norte a sul do país, ilhas incluídas, há mais de 40 anos.
Enquanto uns candidatos percorrem o concelho a prometer um mundo melhor e a oferecer canetas e papéis, há um candidato que percorre o concelho, durante quatro anos, com um livro de cheques, oferecendo empregos, casas, mobílias, electrodomésticos, subsídios, apoios, excursões, festas, almoços, jantares, etc. etc. Tudo por conta do orçamento da câmara. E agora adivinhem lá em quem é que o povo vota?