Opinião | 09-11-2021 16:40

Festas e romarias

As “Golegãs”, as “gastronomias” e quejandas podem um dia morrer? Claro que sim e sem saudades ( : ) tal como um dia sucedeu com as saudosas feiras da Piedade e do Milagre. A tradição para se manter tem de ir mudando.

As feiras, festas e romarias constituem manifestações da cultura idiossincrática colectiva. Ilustram, de um modo muito prosaico, o carácter gregário mais íntimo de ser e de estar. Em Portugal, temos tanto orgulho nas nossas festas, que até nos atrevemos a assegurar que, não obstante apresentarmos tantas dificuldades em nos governar, somos imbatíveis nas festas e eventos populares. Saberíamos mesmo vivê-los como ninguém! Quanto muito, os outros povos latinos ainda se nos poderiam comparar, embora, claro, a uma distância considerável. Já todos os outros europeus fora da latinidade, limitar-se-iam tão somente a trabalhar, trabalhar…Teriam uma vida rica, mas cinzenta – coitados… -, enquanto nós teríamos uma existência remediada, mas cheia de cor e de vida!

Bom, nada de mais errado. Trata-se de uma ideia pré-concebida, fruto de estereótipos de antanho, que nos aliviam uma consciência incomodada. Somos, de facto, remediados, gostamos de festejar, mas os ricos também o sabem fazer.

Quem como eu, já teve a sorte, por diversas vezes, de ter podido vivenciar festividades populares de aldeia em países germânicos, percebe imediatamente que estamos em presença de um enorme equívoco. De facto, ao contrário do que sapientemente julgamos saber, a malta alta, loira e de olhos azuis – sublinhe-se que naquelas latitudes muitos também são de outras cores e dimensões...- também tem festas populares em barda e ainda mais de arromba que as nossas. Sim, é verdade, com mais música, comida, bebida e bailaricos. Acrescentam sempre é um toque de modernidade que assegura a continuidade da tradição.

Não, não podemos afirmar que temos as melhores festas e romarias do mundo. Nem aí somos os melhores do mundo, para desgosto do nosso Presidente. Possuímos sim festas e romarias que nos distinguem e temos de as saber preservar. Para as preservar, temos de saber como as melhorar. E não se melhora sem inovar: inovar na tradição. Não esquecer que tudo o que não cresce, morre.

Justamente, não nos deveremos limitar a manter e a reproduzir velhas fórmulas estafadas que já não entusiasmam ninguém. Podem continuar a atrair as gerações mais velhas - nas quais já me incluo -, mas estão longe de atrair as mais novas. Acontece que são as novas gerações que assegurarão a continuidades das feiras e romarias que tanto animam as populações ribatejanas. Os actuais e velhos públicos, um dia vão desaparecer. Já os novos carecem de outros estímulos e novas receitas para que as tradições se renovem e assim se possam manter.

Não é com vinagre que se apanham moscas. Saber manter a dimensão popular, percebendo como é que a mesma se pode descodificar nos dias de hoje, é um caminho de sabedoria e de futuro. Perspectivas inovadoras que entusiasmem novos públicos e que obstem à réplica monótona do mesmo de sempre, ano após ano.

Se tal não for feito, os vários eventos populares que pretendem assinalar as especificidades das nossas tradições, arriscam-se ao seu ocaso natural, no momento em que os velhos acabarem por morrer e os novos ainda não tiverem comparecido.

As “Golegãs”, as “gastronomias” e quejandas podem um dia morrer? Claro que sim e sem saudades, se estas por outros não forem sentidas, tal como um dia sucedeu, por exemplo, com as saudosas feiras da Piedade e do Milagre, que bem marcavam os ritmos da cidade de Santarém. A tradição para se manter, tem de ir mudando para se reconhecer a si mesma. Será, pois, um paradoxo: só inovando, se garantirá a tradição.

Não deixemos que as tradições se percam em nome...da tradição.

P.N. Pimenta Braz

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