Num imenso eucaliptal
Quando o Estado não consegue sequer mudar a sede do Infarmed para o Porto e o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra… Não vale a pena, pois, continuar a bater nesta tecla, porque Lisboa continua a ser a mesma Lisboa imperial e com os mesmos vícios do Estado Novo.
Quem viveu os anos do 25 de Abril ainda recorda o Fado Tropical de Chico Buarque que via, no Portugal de Abril, o seu ideal: “Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal/ Ainda vai tornar-se o imenso Portugal.”
A Constituição de Abril proclamava que uma das tarefas fundamentais do Estado é "promover a igualdade real entre os portugueses (...) e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional", incumbindo-lhe prioritariamente "orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo." (artigos 9.º, 81.º e 90.º).
Até ao 25 de Abril, Lisboa era a capital do império para onde acorria a população portuguesa na busca de uma vida melhor: os mais ambiciosos e os aventureiros prontos para partir para as Índias, África e Brasil; os menos afoitos e os parasitas para viver à conta das especiarias e do ouro do Brasil.
Com o 25 de Abril e a entrada na CEE, Portugal aspirava, finalmente, a ser um país europeu e civilizado pelo que a coesão territorial e o nivelamento do território eram a trave-mestra do novo regime, ansioso por desmantelar a estrutura colonialista do Estado Novo, à semelhança do que acontecia em todos os países europeus. E isso só seria possível com uma reforma administrativa e uma reorganização territorial, à semelhança da Holanda, ou seja, com a criação de regiões em torno de cidades médias com peso idêntico e com a mesma dignidade territorial. Não é por acaso que praticamente todos os países europeus continentais têm a sua capital no interior do território. E a razão é muito fácil de perceber: só a capital consegue contrariar a força de atracção irresistível do litoral. Por isso, o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, que foi uma promessa de Abril e está plasmado na nossa Constituição, implicava necessariamente a saída de serviços e órgãos de direcção do Estado de Lisboa. Caso contrário, é impossível cumprir esta promessa de Abril que é, repito, uma tarefa fundamental do Estado, segundo a nossa Constituição.
No entanto, quando o Estado não consegue sequer mudar a sede do Infarmed para o Porto e o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra… Não vale a pena, pois, continuar a bater nesta tecla, porque Lisboa continua a ser a mesma Lisboa imperial e com os mesmos vícios do Estado Novo, para onde Portugal se continua a esvaziar: os mais ambiciosos e os aventureiros prontos para partirem para a Europa e para o mundo; os parasitas e os canalhas para aguardarem em terra pela chegada dos fundos comunitários.
Quem vive no interior não deve confundir, no entanto, alfacinhas com lisboetas. Alfacinhas são todos aqueles que nasceram em Lisboa; lisboetas são todos aqueles que foram residir para Lisboa, que cinicamente apregoam o orgulho nas suas raízes, mas que não só não querem deixar de viver em Lisboa como não querem que nada de lá saia, designadamente, para a sua terrinha que dizem tanto amar (?!...). Ou seja, os lisboetas são a praga de parasitas que corrói e destrói qualquer iniciativa que vise promover a igualdade real entre os portugueses e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional. E não há pior político, jornalista ou comentador, para quem vive no resto do país, do que um lisboeta. Filhos da p…!
Até no futebol, os clubes que não são de Lisboa são tratados pelas televisões, jornalistas, comentadores e políticos como se fossem estrangeiros. Não vale a pena, por isso, alimentar mais fantasias. Portugal é Lisboa ou, como dizia o Arquitecto Ribeiro Telles, a cidade Lisboa-Porto, ainda que o Porto seja tratado por Lisboa como um subúrbio de gente marginalizada.
Quando se está quase a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, talvez não fosse má ideia rever a letra do fado de quem vive no interior do país: “Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal/ Ainda vai tornar-se num imenso eucaliptal.”