Opinião | 03-12-2021 10:10

Os sem-vergonha

Se Portugal tivesse a mesma taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia que tem contra a covid-19, seríamos hoje um país europeu formado por cidadãos no verdadeiro sentido da palavra. Como temos uma baixa taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia, não conseguimos a imunidade de grupo, essencial para vivermos num país decente.

Se, por qualquer motivo, o leitor tem dificuldade em distinguir um cínico de um hipócrita, basta ler ou ouvir as reacções nacionais, seja na televisão, seja nas redes sociais, após a imprensa internacional ter catalogado como VERGONHA o B-SAD ter sido obrigado a jogar com 9 jogadores contra o Benfica.

O cínico atira as culpas para cima do regulamento: "o jogo realizou-se por causa do regulamento". Este é o argumento típico do cínico lusitano: "dura lex sed lex".

Por sua vez, o hipócrita afirma categoricamente (e sem se deixar rir) que “se fosse o Benfica que só tivesse 9 jogadores, o jogo realizava-se na mesma." Este é o argumento típico dos hipócritas lusitanos, copiado do livro “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell: “em Portugal, todos os clubes são iguais” (quando todos sabemos que há uns mais iguais do que outros).

Se Portugal tivesse a mesma taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia que tem contra a covid-19, seríamos hoje um país europeu formado por cidadãos no verdadeiro sentido da palavra. Como temos uma baixa taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia, não conseguimos a imunidade de grupo, essencial para vivermos num país decente formado por uma maioria de cidadãos honestos com consciência ética e cívica. Além disso, devido à baixa taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia, já apareceu, em Portugal, uma nova variante muito mais letal e contagiosa, que corrói e destrói todas as instituições: os Sem-Vergonha.

Enquanto o cidadão honrado recorre ao exemplo virtuoso para criticar os seus, o Sem-Vergonha recorre ao exemplo abjecto para se justificar a si e aos seus. O cidadão honrado dá como exemplo ao seu filho o bom aluno e o aluno bem-comportado, enquanto o sem-vergonha justifica os maus comportamentos do seu filho com os maus exemplos dos alunos do mesmo calibre do seu filho ou piores do que ele. E isto também se verificou no caso do jogo da B-SAD. Enquanto o cidadão Bernardo Silva, sócio do Benfica, se indignava nas redes sociais com o não adiamento do jogo, os Sem-Vergonha vasculhavam nos caixotes do lixo do Sporting e do Porto à procura de qualquer coisa repugnante para servir de justificação ao injustificável.

É precisamente por esta razão que os clubes portugueses evoluíram de clubes desportivos para verdadeiras associações mafiosas. Num clube desportivo, os adeptos, se souberem que um dirigente desviou dinheiro do clube ou cometeu actos de corrupção, reagem imediatamente, obrigando-o a demitir-se e entregam-no à justiça. Por sua vez, numa associação mafiosa, os seus membros, se souberem que os seus dirigentes estão a ser investigados por corrupção e desvio de dinheiro, cerram fileiras em torno dos dirigentes e defendem-nos até à morte.

Até as palavras da língua de Camões já foram corrompidas. Em Espanha, Glorioso é o Alavés, um pequeno clube da I Liga espanhola que nunca conquistou um título. E é conhecido por Glorioso precisamente por isso. Gloriosa é a resistência heróica de Leónidas e dos 300 espartanos, no Desfiladeiro das Termópilas, perante o imenso exército de Xerxes com 300.000 homens e não a vitória do exército persa. Em Portugal, por sua vez, Glorioso é o maior clube português, com mais adeptos do que os outros todos juntos, ganhar a clubes que não têm adeptos sequer para encher uma fila do seu pequeno estádio, nem dinheiro para pagar os salários, atempadamente, aos seus jogadores e funcionários. E no caso da B-SAD, nem jogadores tinham para formar uma equipa. Em Portugal, Glória é precisamente isto: um enorme exército de milhões de fiéis esmagar um pequeno clube sem adeptos, nem jogadores.

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