Aeroporto circular
Lisboa é arredor de Madrid; no caminho em que estamos! queiramos ou não, cada vez mais o será. Nesta escala e contexto, Beja não é Interior, não é arredor nem tão-pouco subúrbio de Lisboa; Beja é Lisboa
O País anda há mais de 50 anos para decidir sobre o aeroporto. Poucos assuntos serão tão circulares; em vez de uma decisão, de uma escolha, a opção é pelo pior, o não decidir. Os estudos e as estratégias sucedem-se e, ao longo de décadas, ficamos no mesmo lugar, voltamos ao “início” e cumpre-se um novo ciclo de “não decisão”. Os estudos têm servido para isso, para não decidir; o “aeroporto circular” tem enormes impactos negativos, porque os estudos e a não decisão custam muito. A enorme ironia é que, muito provavelmente, a decisão vai ser tomada no pior contexto de que há memória, pois vivemos numa conjuntura global de grande “incerteza insidiosa”. Neste tempo, com seriedade, qualquer cenário prospetivo, em que possa assentar a decisão, é essencialmente inimaginável.
Convém lembrar que, quando se trata de aviões e aeroportos, a escala é global. Ou seja, Lisboa é arredor de Madrid; no caminho em que estamos, queiramos ou não, cada vez mais o será. Nesta escala e contexto, Beja não é Interior, não é arredor nem tão-pouco subúrbio de Lisboa; Beja é Lisboa.
Acontece que o aeroporto de Beja existe porque, em determinada altura, a Força Aérea escolheu esta localização pelas suas condições aeronáuticas excecionais e instalou ali uma base aérea que, em termos de área ocupada, é a maior da Europa e uma das maiores do mundo. Foi essencialmente por esta razão, a qualidade aeronáutica excecional, que a Força Aérea alemã ali se instalou desde muito cedo. A escolha alemã, pelo que sabemos do povo alemão, devia bastar-nos para considerar Beja uma hipótese muito séria. Mas não, andamos há 50 anos a ouvir tudo e todos por forma a justificar a inércia para a tomada de decisão.
Sabemos que o País tem o principal aeroporto no centro da capital, rodeado por urbanizações, hospitais, escolas e universidades, instalações militares, etc. A partir daqui, qualquer localização é boa, melhor, pelo menos. Depois, no essencial, Alcochete e Montijo são a mesma coisa. Somos um País que ignora e despreza o seu enorme património e capital natural. O estuário do Tejo, um santuário ambiental único, um enorme baú com um tesouro incalculável, é um palco vazio, esquecido e abandonado; só se fala dele pelo aeroporto, ou por qualquer outra razão que nada tem que ver com o valor do Tejo; Lisboa, e tudo à volta, existe porque antes existiu o estuário do Tejo.
Também todos sabemos que o aeroporto do principal destino turístico do País se situa no Parque Natural de Ria Formosa; isto, enquanto, sob a bandeira do ambiente, os estrangeiros que vivem e gozam sumptuosamente as suas reformas no Algarve se insurgem contra qualquer iniciativa que procure criar riqueza nesta terra, como se de um santuário ecológico se tratasse. Até parece que o Algarve é um bom exemplo ambiental em alguma parte do mundo …
A toda esta complexa equação acresce mais uma parcela de capital importância: o vírus que nos bateu à porta. Esta ocorrência põe em causa o modelo de desenvolvimento vigente, designadamente o turismo do nosso contentamento – não muito mais que vagas de turistas a quem fazemos a cama, aparamos a relva dos hotéis e passeamos de tuk-tuk. Todos (?) teremos percebido que o mentiroso, patético e hipócrita “vai ficar tudo bem” não acontecerá graças aos aviões e paquetes carregados de turistas. E alguém lúcido e sério acredita que é possível viajar de Lisboa para Londres por 30 euros? Talvez por tudo isto, um secretário de Estado de qualquer coisa disse que, se calhar, com esta nova realidade, talvez seja melhor repensar o aeroporto. Longe do interesse de cada parte, pelo País, é boa ideia considerar seriamente a opção de Beja. Fica a pergunta: será que esperámos 50 anos para, num dos piores contextos, decidir sobre o aeroporto?
Texto publicado na revista Visão de 13 de Janeiro