Opinião | 10-11-2022 06:59

O perigo de estar em forma e com vontade de trabalhar

JAE

Outra vez os nossos 35 anos de O MIRANTE, as leituras, e tudo o que aprendemos no que lemos e do exemplo que os outros nos deixaram como legado. Tal como dizia Fernando Pessoa “a literatura é a prova de que a vida não chega”.

Há muita gente que gosta de nós, diz a Joana que entrou no meu gabinete para me contar mais uma das suas importantes experiências enquanto fecha mais uma edição de O MIRANTE. De repente a história feliz dá lugar a uma outra infeliz, de alguém que, não sabendo com quem está a falar, diz que não precisa de informação, que as notícias dos jornais não lhe interessam e que os jornalistas são todos uns aldrabões.
Se até os eremitas de vez em quando gostam de descer à cidade, e os deuses zangam-se com os anjinhos que somos nós, como é que podemos querer que os jornalistas, que regra geral são os mensageiros indesejados, sejam bem aceites na comunidade?
Escrevo sobre trabalho mais uma vez, e em causa própria, na semana em que preparamos a cerimónia do Galardão Empresa do Ano e fechamos a edição de aniversário. 35 anos que passaram a correr, que deixaram muita história para quem nos leu e acompanhou ao longo dos anos, mas que a mim, em particular, até parece que foi ontem e ainda está tudo por fazer.
Experimento essa sensação de dever por cumprir a cada dia que regresso de uma longa viagem, seja física ou espiritual. Na cidade onde cheguei há cerca de um mês comprei um livro de Rosa Montero que conta uma história baseada na vida de Marie Curie, uma mulher sábia incomum que ganhou duas vezes o Prémio Nobel, da Física e da Química. Assim que comecei a ler o livro percebi que o texto me era familiar. Mas como li outros livros sobre Marie Curie da mesma autora pensei que era a minha memória que ainda estava em boa forma. No final, por um acaso, percebi que fui enganado pela capa do livro e que não era aquele título que eu andava à procura da autora de “A Louca da Casa” e “El peligro de estar cuerda”, o livro que falta traduzir em português.
Foi já no final do livro, que reli no tempo de uma semana de piscinas, que percebi que aquele amor de Marie Curie pelo seu marido morto num acidente de automóvel, estava contado de uma forma que não conhecia e que é surpreendente para uma mulher com uma inteligência assombrosa, que deu a vida pela descoberta do rádio e do polónio, que deram origem à descoberta do raio-x, que haveria de começar a salvar vidas. Tanto ela como a sua filha, também cientista, acabaram por morrer prematuramente devido aos altos índices de radiação que sofreram enquanto estudavam e faziam experiências.
Mas foi o amor por Pierre Curie, seu marido e colega de ofício, que marcou a vida desta mulher extraordinária que ficou para a história pelos motivos que cito em cima. No dia em que acabei de ler o livro reli um texto sobre outra grande paixão que uniu Hannah Arendt, uma das mulheres que mais debateu os horrores do Nazismo com o filósofo Martin Heidegger, seu antigo professor e amante, mas um seguidor de Hitler e das ideias e pensamentos nazistas. Dezassete anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, depois de seis milhões de judeus assassinados, Hannah Arendt ouviu do seu antigo e apaixonado professor, a confissão de que era um homem politicamente inocente. George Steiner, o crítico literário mais influente dos nossos tempos, assinou esta frase que bem podia ser escrita no túmulo do autor de Ser e Tempo: “o maior de todos os Pensadores e o mais pequeno de todos os Homens”.
Volto ao início; no dia em que festejarmos 35 anos de publicação ininterrupta, de sairmos com mais duas edições na mesma semana, e já a trabalharmos ao ritmo de um jornal diário, com actualizações no online que fazem de nós um jornal de referência, vamos voltar a mudar de gráfica, teremos de volta o sítio que nos piratearam no início de 2022, e a equipa reforçada tanto a nível editorial como comercial. No resto vamos seguindo o conselho do antigo e saudoso jornalista Alberto Dines: “procura fazer o melhor jornal que puderes; se achas que já fizeste está na hora de mudar”. JAE.

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