Opinião | 23-11-2022 12:00

Uma voz no deserto

Uma voz no deserto
À Margem/Opinião
Jorge Perfeito é advogado, embora só exerça em causa própria, e é conhecido por acusar a classe política do concelho de Ourém

Os jornalistas de O MIRANTE lêem a concorrência, como é seu dever, e não podiam deixar de reparar num cronista do “Jornal de Fátima”

Os jornalistas de O MIRANTE lêem a concorrência, como é seu dever, e não podiam deixar de reparar num cronista do “Jornal de Fátima” que foge completamente à linha editorial de um jornal que faz jornalismo local sempre a favor e sem polémicas. A excepção é Jorge Perfeito que quinzenalmente ataca a classe política com algumas atoardas, que embora não façam mossa sempre abanam.
Pedimos-lhe uma entrevista para o confrontarmos com algumas acusações que vem insinuando nos seus artigos. O advogado não fugiu às respostas, mas a verdade é que acusou, acusou, mas nunca apresentou provas do que acusa. O que aproveitamos para esta entrevista justifica a sua fama de agitador; mas temos que reconhecer que é pouco mais do que isso. O seu grande mérito é ser, como articulista, uma voz no deserto. E só por isso já merece o destaque que lhe damos.

Jorge Perfeito: o cronista de Ourém que não poupa adjectivos para classificar os políticos locais

Jorge Perfeito tem 62 anos, é advogado, embora só exerça em causa própria.

Confessa não ter fé, mas respeita todas as religiões. Admite que o Santuário de Fátima é um negócio sobretudo para os habitantes da freguesia. Sobre se é um negócio para a Igreja prefere não responder. “Não vou cometer essa deselegância. O Santuário de Fátima é uma fábrica, tem lojas e negócios. Fátima é um reduto muito conservador e até retrógrado da Igreja, que este Papa está a combater. Não há ninguém que não goste do Papa Francisco, até o mais ateu, como eu.

Jorge Perfeito tem um espaço de opinião no jornal “Notícias de Fátima”, onde não poupa críticas e acusações ao poder político de Ourém. Nesta entrevista a O MIRANTE fala acusa o poder político do concelho de ser submisso aos negócios que envolvem sobretudo as pedreiras, que considera ser o maior crime ambiental da zona centro. Acusa Natálio Reis de ter feito apenas um ano do actual mandato como vice-presidente da Câmara de Ourém para agilizar procedimentos que o beneficiam e garante que o presidente da Junta de Fátima, Humberto Silva, é um pau mandado do ex-vice do município.

Tem atacado muito o ex-vereador Natálio Reis. Acusa-o de irregularidades e ilegalidades. Que situações são essas?

Natálio Reis, enquanto foi presidente da Junta de Freguesia de Fátima e depois como vice-presidente da Câmara de Ourém durante cinco anos, fechou os olhos a tudo sobretudo aos negócios das pedreiras. Esteve estes anos no município para agilizar procedimentos que o beneficiam. Natálio Reis deixou passar muita coisa em relação às pedreiras e não só.

Fechou os olhos porquê?

Porque tem outros interesses. Teve interesse em agilizar procedimentos para ser beneficiado através do Plano Director Municipal [PDM] e os Planos de Pormenor de Fátima e de Ourém. O empreendimento que tem em Fátima só agora vai ser completamente legalizado. Está numa zona de Reserva Agrícola Nacional onde não podia construir o que lá tem, mas nunca ninguém o incomodou durante 20 anos. Esteve na junta de freguesia sempre a mexer os cordelinhos, mas percebeu que para conseguir o que pretendia tinha que ir para a câmara. Através da revisão do PDM conseguiu que aquela zona fosse revista para apresentar projecto e legalizar o seu espaço.

O Plano de Urbanização de Fátima vai beneficiá-lo?

O plano foi feito à medida do que ele e mais algumas pessoas necessitam. Natálio Reis tem uma área de terreno muito grande em Fátima onde pretende construir um hotel. Só que não era permitida a construção e agora vai ser permitida. Um plano de urbanização tem que contemplar zonas verdes, arruamentos, passeios, parque escolar, edifícios públicos e este não tem nada disso. O plano privilegia quase em exclusivo os interesses dos proprietários dos terrenos.

Natálio Reis fez só um ano do actual mandato para ter tempo de tratar dos seus assuntos?

Nem mais. No outro mandato não teve tempo para aprovar o Plano de Urbanização de Fátima como ele pretendia. Saiu quando tinha tudo resolvido à sua maneira.

PRESIDENTE DA JUNTA DE FÁTIMA INVESTIGADO PELA PJ MANCHA A IMAGEM DA CIDADE

As buscas da Judiciária na Junta de Fátima e na casa do presidente, Humberto Silva, mancham a imagem da cidade?

Mancha a imagem da cidade e do concelho, mas sobretudo de Humberto Silva, que é um pau mandado de Natálio Reis. Humberto Silva começou por estar ligado ao CDS até que o ex-vice-presidente da câmara o foi buscar, colocou-o na junta e ele faz tudo como Natálio Reis quer. Esta situação é constrangedora, não ficamos bem vistos, mas as pessoas que vêm a Fátima não têm a mínima percepção do que se passa.

Quais são os interesses do presidente da Junta de Fátima nas pedreiras tendo em conta que é o principal defensor das aprovações das Declarações de Interesse Municipal que visam apenas aumentar a área de exploração das pedreiras?

O negócio das pedreiras é o maior crime ambiental da zona centro. Eles fecham os olhos a muita coisa porque lhes é favorável. Em relação à Filstone já esteve falida por várias vezes e foi adquirida maioritariamente por chineses. A empresa ramificou-se depois em pequenas e médias empresas de fachada, algumas que se encontravam praticamente desactivadas. Este Plano Especial de Recuperação que a Filstone pediu é para ver se conseguem safar as empresas mais pequenas porque quando a Filstone cair vai tudo por água abaixo.

Porque é que a junta vende os caminhos vicinais a preços irrisórios?

É tudo negócio. Há um caso de uma estrada que se transformou em caminho vicinal, que foi ocupado por um particular e a câmara não faz nada e agora também não pode fazer porque já passaram 40 anos.

Como é que isso pode acontecer?

Pergunte ao senhor Mário Albuquerque e aos que vieram a seguir. Tenho tudo registado nas minhas agendas, que o meu pai escreveu e me deu. Os autarcas permitiram tudo ao longo de décadas com a desculpa de que Fátima tinha que evoluir.

O crime ambiental compensa?

Os interesses económicos que estão por detrás das pedreiras têm sido mais importantes por causa do dinheiro e da ganância. Os interesses chineses estão em Fátima há muitos anos. Começou com a Be Water, concessionária das águas, que foi o trampolim para se começaram a instalar os interesses chineses no concelho quando era presidente da câmara David Catarino.

Porque é que o crime ambiental das pedreiras não é travado pelos políticos?

Os políticos tiram vantagens, mas do ponto de vista legal está tudo muito bem feito.

Como é que vê o relacionamento entre políticos e pedreiras?

Miguel Goulão, por exemplo, é presidente da Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais, é administrador da Filstone, foi secretário-geral da JSD e vereador na Câmara das Caldas da Rainha. É uma relação de promiscuidade dos interesses económicos, financeiros e políticos. Miguel Goulão, que é amigo de João Moura e António Gameiro, serve-se da política para os seus interesses particulares e tem grandes conhecimentos na banca que conseguem desbloquear milhões num ápice. Em 2019 criou-se uma nova Câmara de Comércio Luso-Chinesa, de que faz parte António Gameiro, que é muito amigo de João Moura, presidente da Assembleia Municipal de Ourém.

Tem outros exemplos de promiscuidade na política?

Luís Mangas, o braço-direito do ex-presidente da câmara, o socialista Paulo Fonseca, quando este já estava na mó de baixo, saiu da câmara quando o PS perdeu as eleições, em 2017, e foi trabalhar para a Be Water, propriedade de chineses, em Mafra. Entretanto esse município resgatou a concessão das águas.

Como foi feito o negócio das águas em Ourém?

A Águas de Ourém vendeu à Veolia, que pertencia a um grupo francês que depois vendeu aos chineses. Estes investiram cerca de 75 milhões de euros e ficaram donos da concessão de águas no concelho durante 30 anos. Pagamos da água mais cara do país. Mesmo pertencendo à Tejo Ambiente a água está concessionada à Be Water.

Tem uma “amizade” especial por João Moura, é fácil de concluir...

Ele tem uma empresa em Fátima que está sempre fechada. Passo lá todos os dias e nunca vi ninguém a trabalhar. Está a ser investigado pela Comissão da Transparência da Assembleia da República. Veremos no que vai dar.

Em Fátima o senhor é um crítico sobretudo dos políticos. Os seus textos têm repercussão?

Os meus inimigos dizem que andei 20 anos para tirar o curso de Direito em Coimbra quando na verdade tenho oito matrículas. Não gostei do curso e mudei para História e depois para Filosofia. Contrariado concluí o curso de Direito. Sou advogado mas só trabalho em causa própria.

O que o move nestas denúncias?

Justiça. Fui tramado por muita desta gente.

De que forma?

Roubaram-me.

Roubaram como?

Fiz um investimento empresarial que correu mal, em grande parte por ingenuidade minha porque achei que os bancos eram gente séria. Os bancos fizeram uma pressão tão grande comigo e acabaram por me tramar. Falava com algumas pessoas que pensava que me estavam a ajudar e passava-se exactamente o contrário.

Como é que consegue escrever num jornal local contra tudo e contra todos?

Eles é que me pedem.

Nenhuma destas pessoas o processou?

Não. Ainda estou à espera que alguém o faça.

Tem mexido com muitos interesses. Tem medo de retaliações?

Falo com conhecimento de causa. As pessoas não gostam, chamam-me nomes e acrescentam muitos pontos sobre a minha vida, mas estou habituado e não me incomoda.

Humberto Silva perdeu credibilidade com negócio da Casa Mortuária

O que sabe sobre o negócio da Casa Mortuária de Fátima?

Sei o que se ouve na cidade. Que há um advogado e empresário conhecido no concelho de Ourém que está ligado a todas as empresas envolvidas no negócio. Existe a necessidade de ter várias empresas, algumas que não têm empregados, para fazer circular dinheiro. Tem vários negócios, um deles do ramo das sucatas.

Porque é que o presidente da Junta de Fátima fez este negócio sem dar conhecimento a ninguém atempadamente?

Há muitos anos que a Junta de Fátima tinha um processo cível em tribunal contra um empresário por causa de uma fracção de um imóvel na cidade. O caso arrastou-se na justiça durante décadas e há cerca de um ano ou dois a junta foi condenada nesse processo. Num valor aproximado a esses 200 mil euros, valor pelo qual foi feito o negócio do aluguer da casa mortuária.

O negócio da casa mortuária é mesmo um mistério?

O presidente da junta não fica nada bem na fotografia com esta história e só retira credibilidade a Humberto Silva. Fala-se que tem boas ligações a algumas pedreiras e empresários com dinheiro, mas não tenho provas concretas e por isso não posso acusar.

Humberto Silva sempre viveu da política?

Sim, mas nunca foi muito longe. Era do CDS e o Natálio Reis foi buscá-lo porque percebeu que o podia manipular e é o que tem acontecido.

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