“Acordai, Acordai, Homens que dormis...”
Chorem compatriotas meus, chorem! Mas chorem antes pelo estado a que chegámos e pelo futuro que ainda não construímos. Mas tenham vergonha de chorar por uma bola!
Pobre país este que se recusa a olhar para si próprio.
Pobre país este que substituiu um desígnio pelas especiarias de Bruxelas.
Pobre país este que ainda anseia com os impérios do passado, mas que se encolhe no quintal do presente.
Pobre país este que insiste na pequenez de mirar os pés, esquecendo a extensão do azul do céu.
Pobre país este que prefere a estreiteza do futebol, à grandeza da nação.
Pobre país este que se projecta no futebol, por incapacidade de o fazer na vida.
Pobre país este que se humilha perante a frivolidade e a opulência do futebol.
Pobre povo este que se socorre do futebol como único elevador social disponível.
Pobre povo este que se amansa com a pobreza, mas que se levanta com o futebol.
Pobre povo este que se consome, ad nauseam, por um mero jogador de futebol, enquanto milhares vivem sem dignidade.
Pobre povo este que se deixa ludibriar por políticos que se travestem de futebol.
Pobre povo este que se deprime por uma derrota futebolística, mas que não o faz pelo empobrecimento em que vive.
Pobre povo este que canta o hino emocionado, mas que já não sabe a sua história.
Pobre povo este que tem “a nossa selecção” como desiderato colectivo.
Pobre povo este que não compreende que “a nossa selecção” é poeira para os seus olhos.
Pobre povo este que se esqueceu da cultura, da aventura, da economia, do trabalho, da disciplina e da capacidade crítica. Oh, egrégios avós…
“Acordai, Acordai, Homens que dormis...”
Já é tempo de crescer.
Já é tempo de levantar a cabeça e de perscrutar o horizonte.
Já é tempo de saber dizer não à alienação que nos encolhe.
Já é tempo de percebermos de onde viemos e para onde queremos ir.
Já é tempo de fazer aeroportos e campos infantes da câmara.
Já é tempo de relativizar actividades adjectivas e apostar nas substantivas.
Já é tempo de jogar sim, mas na genuína selecção: nesse mesmo povo que outrora estruturou e ergueu corajosamente este país. Na selecção constituída por vultos de excelência que edificaram Portugal e pelos valores e propósitos que nos deveriam sobressaltar:
- mérito como os melhores;
- saúde, educação e justiça de qualidade para todos;
- salários e trabalho dignos;
- elevador social a funcionar;
- cultura florescente como orgulho colectivo;
- orgulho da nossa história;
- museus portugueses, repletos de portugueses;
- empresas portuguesas sem mãos estendidas para o Estado;
- Estado moderno, mas não opressor;
- democracia e liberdade para todos.
Chorem compatriotas meus, chorem! Mas chorem antes pelo estado a que chegámos e pelo futuro que ainda não construímos. Mas tenham vergonha de chorar por uma bola!
Povo meu, povo meu, levanta-te e anda!
P.N.Pimenta Braz