As enxurradas de Pais Natais, o regresso do ‘fica em casa’ e os incentivos à criação de subsídio dependentes
Humanista Serafim das Neves
Humanista Serafim das Neves
Nos píncaros da pandemia éramos obsessivamente aconselhados a ficar em casa por médicos, políticos, pais, mães, jornalistas e virulogistas de bancada. Eu andava encantado, confesso. Nunca tinha tido tanta gente preocupada com a minha saúde e bem-estar desde que era bebé. E, se calhar, nem nessa altura.
Lembro-me, até, que um dia em que me esgueirei para uma caminhada nocturna fui acompanhado de carro por um simpático zelador, que me foi cantando o “vai p’ra casa, vai p’ra casa”, ao ritmo de buzinadelas, até me ver entrar no prédio, são e salvo.
Falo-te nisto porque o tempo do aconchego proteccionista está de volta e a cantiga do fica em casa já se sobrepõe às melodias de Natal. É um coro de vozes bem treinadas da Protecção Civil, Instituto Português do Mar e da Atmosfera, políticos em geral e apresentadores de telejornais a granel. Não saiam à rua, não deambulem por cidades sem bons escoamentos, não passeiem ao pé do mar, evitem estradas com árvores porque ainda vos cai um ramo em cima.
Há quem ache estes avisos excessivos. Há quem se arrelie com tanto cuidado quase maternal. Gente que se sente sufocada com tanto mimo. Gente que reclama liberdade total e que quer andar por aí à chuva e ao vento correndo grandes riscos e coriscos. Mas para grandes males grandes remédios.
A pensar neles os políticos já estão a alterar a Constituição. As recomendações vão passar a obrigações. E não vai ser preciso uma declaração de Estado de Emergência ou de Calamidade para impedir alguém de sair de Lisboa ou de ir ao banho nas piscinas da Golegã e da Azinhaga. Isso vai estar logo no primeiro capítulo.
O Governo vai voltar a dar dinheiro. Desta vez é só para os mais pobres. Duzentos e quarenta euros metidos na conta bancária, sem ser preciso pedi-los. Aqui há um mês tinham sido duzentos e cinquenta, para ricos, pobres e remediados, mais cinquenta por cada filho. Nem os liberais escaparam e até os que são contra a subsídio-dependência os receberam, não havendo notícia de devoluções. Como dizia a minha avó, ‘todo o burro come palha. O que é preciso é saber dar-lha.’.
Com a aproximação do Natal começaram as enxurradas de Pais Natais e há-os para todos os gostos. Pais Natais ‘motard’, Pais Natais ciclistas, Pais Natais banhistas, pais natais musculados, Pais Natais lingrinhas, Pais Natais transgénero, Pais Natais de barbas brancas, Pais Natais de barbas pretas, Pais Natais tatuados, Pais Natais tractoristas.... além, claro, das Mães Natais mais ou menos sexy, em biquini ou com roupa interior de marca.
A coisa é de tal ordem que, provavelmente, já há quem pense que o Natal celebra o nascimento de um velho das barbas, em vez do Menino Jesus. É a vitória da economia e do comércio, através do incentivo à compra de prendas e mais prendas inúteis e de bacalhaus, perus, borregos, chocolates, bombons e camisolas grossas com imagens de renas.
Não sou muito católico, mas não consigo deixar de fazer o presépio. E não me esqueci de colocar as crianças da Ucrânia e de outros países em guerra no topo da minha lista de prendas. E dispensei o tal Pai Natal e o seu trenó. Vão através da UNICEF.
Saudações gingombélicas
Manuel Serra d’Aire