Opinião | 24-02-2023 08:56

Deus (provavelmente) já morreu

Quem achava que as fogueiras da Inquisição tinham servido para purificar a Santa Madre Igreja, Católica Apostólica e Romana, enganou-se redondamente. O fogo do Inferno tomou conta da instituição que agora se vê obrigada a assumir que, durante sabe-se lá quanto tempo, permitiu, condescendeu e conviveu com um dos crimes mais hediondos: o do abuso sexual daqueles que lhes cabia proteger.

Nasci numa família católica praticante. Aos 10 anos de idade fui internado no Colégio La Salle, em Abrantes, onde passei os cinco piores anos da minha vida. Não nasci para viver em rebanho, nem para ser conduzido como uma ovelha, nem para viver em camaratas, nem para comer em refeitórios. No entanto, nunca tive conhecimento, durante os cinco anos que padeci no Colégio, de qualquer comportamento menos próprio de algum dos irmãos lassalistas. Pelo contrário, aquilo que ressaltava era uma moral sexual extremamente conservadora que nos fazia sentir culpados se tivéssemos maus pensamentos.

Foi, por isso, com absoluta incredibilidade que, nos últimos anos, fui assistindo aos relatos dos abusos sexuais na Igreja. Desde que me fiz homem que deixei de acreditar em Deus. E hoje posso mesmo dizer que tenho receio que Deus exista, porque, a ser verdade que o homem foi feito à sua imagem, tal significa que Deus não pode ser Bom.

E quem achava que as fogueiras da Inquisição tinham servido para purificar a Santa Madre Igreja, Católica Apostólica e Romana, enganou-se redondamente. O fogo do Inferno tomou conta da instituição que agora se vê obrigada a assumir que, durante sabe-se lá quanto tempo, permitiu, condescendeu e conviveu com um dos crimes mais hediondos: o do abuso sexual daqueles que lhes cabia proteger.

Como disse Edmund Burke, “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que o vêem fazer e deixam acontecer. ” O que mais me choca nos abusos sexuais na Igreja Católica não é sequer o facto de ter havido os abusos. Tarados, doentes mentais e criminosos não podem, infelizmente, deixar de existir numa instituição com a dimensão da Igreja Católica.

O que me choca verdadeiramente é o silêncio cúmplice de padres, bispos e cardeais, ou seja, da hierarquia da Igreja, relativamente a comportamentos absolutamente indignos e aviltantes que desacreditam a instituição como mensageira de Deus. Com efeito, quando a Igreja aceita servir de manto para encobrir abusos sexuais das ovelhas pelos seus pastores, tal só pode significar que a Santa Madre Igreja também já deixou de acreditar na existência de Deus.

Com as revelações do relatório sobre os abusos sexuais em Portugal, cabia ao Estado português mobilizar recursos para indemnizar as vítimas, em vez de andar a financiar eventos sumptuários e desnecessários (Fátima tinha todas as condições para receber o evento sem necessidade de andar a gastar milhões de euros em palcos e casas de banho) de uma instituição que, até ao momento, procura salvar a face com pedidos de perdão, mas sem mostrar vontade de gastar um único cêntimo na reparação dos danos causados às vítimas.

Eu não acredito na existência de Deus. Mas, se existir, já deve ter morrido de vergonha.

Santana-Maia Leonardo

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