Opinião | 08-03-2023 09:43

Redescobrindo Adelaide Félix, “voz do Ribatejo”, em carta de Florbela Espanca

Redescobrindo Adelaide Félix, “voz do Ribatejo”, em carta de Florbela Espanca

Lembrar Adelaide Félix no dia da mulher, em 2023, e uma carta de Florbela Espanca para a scalabitana que escreveu contos, novelas e romances e foi uma mulher que fez a diferença no seu tempo.

Há dias, no afago de um gabinete, um conjunto de amigas, por sinal inteligentes, mostra-me, em jeito de quem pede uma opinião, um rol de literatos relacionados com o Ribatejo. Trabalho bem feito, pouco havia a apontar. Dei por mim a exclamar alto “… não há uma única mulher!” Ninguém tomou o trejeito por ativismo pós moderno, era só a constatação que faltava alguém. Se por acaso mulheres não houvesse a escrever sobre o Ribatejo, não as poderíamos ter ali inventado. Não há necessidade disso, outras poderia ter alvitrado. Lembrei-me logo de Adelaide Félix, provavelmente a melhor prosadora da «alma ribatejana». Quase envergonhada, uma das amigas da tertúlia, confessava que de Adelaide só conhecia a rua… tal como tantos de nós.

Seja pela condição feminina, seja pelo afã regionalista, Adelaide Félix não vêm na wikipédia, nem nos volumes grossos que antecederam e, em muitos casos, quando vem, pouco se diz ou se sabe. A única nota biográfica de relevo, devemo-lo à querida Leonor Lopes, diretora do Arquivo Distrital, que tem servido de base às nossas pesquisas.

Adelaide nasceu em Santarém, a 24 de fevereiro de 1892, no final da rua Serpa Pinto, numa “casa fronteira à da certa janela manuelina”. O pai foi militar, oriundo do Ramalhal (Torres Vedras), a mãe corporizava uma linhagem de gente da “borda d’agua”. “Saiu de Santarém, mas Santarém não saiu dela”. Cursou letras em Lisboa, onde se tornou amiga e protegida de Teófilo Braga, mestre que lhe incentivou a publicação dos primeiros trabalhos. Em 1914, fez o estágio no colégio feminino D. Maria Pia, iniciando uma carreira docente que a levará a Leiria e ao Porto, antes de regressar «à escola mãe» já chamada Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. No entretempo de tudo isso, insistentemente escreveu, publicou, ganhou prémios, atingiu clara mestria do conto. No contexto das várias escolas literárias, assumiu um regionalismo ribatejano, de matriz aquiliniana. Destaca-se a sua ligação ao grupo Távola Redonda, de influência presencista. Em diálogo com o modernismo, o seu conto “Lady Désir” tem sido incluído na literatura homográfica portuguesa. Em diálogo com o neorealismo, o seu aparente descomprometimento ideológico, não impediu de cultivar uma amizade com Alves Redol, entre outros.

Faleceu em 1971, sem herdeiros conhecidos. Legou o seu espólio à Biblioteca Municipal de Santarém, onde localizamos a deliciosa carta que aqui transcrevemos. Florbela Espanca, assinando com o nome do seu último marido, incentivou Adelaide na boa continuidade dessa voz regionalista.

Do nosso lado do tempo e da vida, incentivamos sobretudo os leitores, a descobrir esta “prosadora de verdade”, com um trecho que encantou a poetisa:

«Filho da região – como ela dominador e brutal – o campino vai sonhando, num sonhar rude, a tragédia sem par da sua vida. / Tem na alma o campo todo; a côr das tardes de ferra; a alegria dos dias de feira; a lida palpitante da condução do gado. E, de quando em quando, a sua alma grita, lá dentro da lezíria aquele hoi! (…) que acorda os écos dos campos e acobarda a rebeldia dos toiros transviados. / Hoi! … e é dum expressão imensa aquele grito, espamo da própria terra atordoada (…)».

Adelaide Félix, “Ribatejo”, em Personae, Lisboa: Liv. Ferin, p. 8

Carta de Florbela Espanca a Adelaide Félix, Matosinhos, 13/02/1927, 4. p., 1 fl. ms., Arquivo Histórico Municipal de Santarém, Legado de Adelaide Félix, correspondência, cx. 2 [Transcrição de José Raimundo Noras].

“Matozinhos / 13/2/1927,

Excelentíssima Senhora / Estou contentíssima por poder dizer-lhe todo o bem que penso do seu livro. Assim posso desvanecer-me sem remorsos ao reler a sua gentil dedicatória. Se bem que não acredite no enlêvo da lisonja – Não há grande como pode haver maior?! – deu-me prazer o carinho da sua linda ideia: recordar-se duma esquecida.

Devia aos meus amigos o orgulho de me julgar Alguém, devo-lhe agora mais: ser conhecida pela prosadora de verdade que assinou o belo livro que li com um verdadeiro interesse. / Três dos seus contos agradaram absolutamente, são perfeitos: «Ribatejo», «Obsessão», e “O Alcoólico”. / O único de que gostei menos foi “Incoerência” Frases… são para as poetisas que raramente têm alguma coisa para dizer… / De todos os outros gostei imenso.

Minha querida senhora, dê-nos depressa um romance regional com o Ribatejo por pano de fundo. Não havia ninguém que não tivesse orgulho em assinar aquelas páginas. Obrigada pelo espiritual consôlo [fl. 3] que me proporcionou.

Conhece pelo que vejo os meus livros, no entanto, tinha o dever moral de lhos enviar mas acreditar-me-á se lhe disser que não tenho nem sequer um exemplar do primeiro e que nem sei em que livraria pára o segundo?!...

Com originalidade pode passar.,. o seu perdão para um tão bizarro desprendimento, minha senhora, a quem agradeço infinitamente e o seu belo livro,

Com admiração e consideração, / Florbela Espanca Lage”

Bibliografia Ativa de Adelaide Félix (1896-1971)

Manuscritos

Obra publicada

A. Estudos, ensaios e crónicas;

Félic, Adelaide, How to teach a drama (Julius Ceasar), Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1914. [Em inglês].

Félix, Adelaide, Shakespeare e o «Othello» : esboço crítico, prefácio de Teófilo Braga, Lisboa : Tipografia da Cooperativa Militar, 1913.

Félix, Adelaide, Roteiro de viagens feitas, no mar tormentoso das letras, por gentes de Leiria e seu termo, illustração de Leonel Cardoso, S.l. : s.n., [Lisboa : -- Pap. Veneza], 1944.

B. Contos e Novelas

Félix, Adelaide, Miragens torvas: prosa de arte, Lisboa: Livraria Ferin, 1921

Félix, Adelaide, Personae: novelas, Lisboa: Livraria Ferin, 1926.

Félix, Adelaide, Nunca o direi..., Lisboa: Argo, 1940. [Novela]

Félix, Adelaide, Cada qual com o seu milagre... : contos, Lisboa : Argo, 1941

Félix, Adelaide, Eu, pecador, me confesso, Lisboa: Publicações Europa-America (Tipografia das Oficinas Gráficas da Escola da Cadeia Penintenciária de Lisbo), s. d. [1954].

Félix, Adelaide, “… não sou uma qualquer…”, em Histórias breves de escritores ribatejanos, Lisboa: Prelo, capa Pilo da Silva, (Autores portugueses; 12), 1968. [Conto]

C. Romance;

Félix, Adelaide, Hora de Instinto, Lisboa: Tipografia da Livraria Ferin, 1919.

Félix, Adelaide, O grito da terra, Porto: Civilizaçäo, (Civilização. Amarela; 10), imp. 1936

Félix, Adelaide, No Estoril : uma noite igual a tantas, Lisboa: Tip. Escola da Cadeia da Penitenciária de Lisboa, 1952.

Félix, Adelaide, Um seixo na torrente, Lisboa: Publicações Europa-América, col. “Os livros das três abelhas”, n.º 55-56), 1963.

D. Prefácios, posfácios e afins;

Félix, Adelaide “Prefácio” em, Jorge Nunes, 44 ex-libris desenhados, Lisboa: J. Nunes, 1961.

Félix, Adelaide, “Prefácio” em Maria Bruma, Âmor é Graça do Lar, Lisboa: s. n. (Sociedade Industrial de Tipografia), 1942.

Félix, Adelaide, “Prefácio” em Mariac Dimbla, Acerca da arte e preceito de palmar com jeito, Lisboa: Ag. Internacional de Livraria e Publicações, (Humorterapia ; 1), s. d. [1961], p. 9-11.

E. Antologias, atas, volumes coletivos

Félix, Adelaide, “Parque Silva Porto”, fotografias de Joaquim Moreno e de José Barata, em Guia de Portugal Artístico. Lisboa: Jardins, Parque e Tapadas (vol. II), Robélia de Sousa Lobo Ramalho (coord.), M. Costa Ramalho (dir), Lisboa: Guia de Portugal Artístico, Oficinas Gráficas da Casa Portuguesa, 1935, vol. II, pp. 71-76.

Félix, Adelaide, “Conjuguemos um verbo…”, em Eça de Queiroz – «In memoriam», organizado por Eloy do Amaral e M. Cardoso Martha, 2.ª edição acrescida, Coimbra: Atlântida, 1947, p. 181-182.

Félix, Adelaide, “O Calhandriz”, em Antologia da Terra Portuguesa – Ribatejo – introdução, seleção e notas de Natércia Freire, Lisboa: Livraria Bertrand, s. d, 126-145.

F. Catálogos de exposições

Félix, Adelaide (texto), Exposição de pintura de Jaime Murteira, 8 a 14 julho 1955, org. Biblioteca-Museu de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira: Emp. Técnica de Tipografia, Lda. / Biblioteca-Museu de Vila Franca de Xira, 1955. [Catálogo].

Félix, Adelaide (texto), III Exposição de restauro em obras de arte antiga : Condes de Caminha org. Biblioteca - Museu Municipal de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira Biblioteca: Museu Municipal / Empresa Técnica de Tipografia, Lda., 1962. [Catálogo].

Felix, Adelaide (texto) Cerâmicas de Artur José, Secretariado Nacional Da Informação, Cultura Popular e Turismo, Lisboa: Secretariado Nacional Da Informação, 1966. [Catálogo].

Félix, Adelaide; Azevedo, Manuela; Marques, Alfredo (textos), Artur José, Desdobrável publicado por ocasião da exposição organizada e patente na Secretaria de Estado da Informação e Turismo, Lisboa (Portugal), de 3 a 14 de Abril, Lisboa: Secretaria de Estado da Informação e Turismo 1970. [Catálogo].

G. Traduções;

Thomas, Paul, Nada de novo na Rússia, tradução de Adelaide Félix, Lisboa: Argo, 1940.

Gottl-Ottlilienfeld, Friedrich von, O essencial da economia, tradução de Adelaide Félix, (Tít. orig.: Vom Wesen der Wirtschaft), Lisboa: Argo, (Mosaico da cultura; 1015), 1940.

H. Imprensa Periódica

a. Atlântico: revista luso-brasileira

Félix, Adelaide, “O Calhandriz”, (ilustrações de Manuel Lapa) em Atlântico: revista luso-brasileira, Diretores: António Ferro e Amílcar Dutra de Mendes, direção artística de Manuel Lapa, Lisboa/Rio de Janeiro: Secretariado de Propaganda Nacional / Departamento de Imprensa e Propaganda, n.º 5, Julho de 1944, p. 122- 135. [Conto, incluíndo na edição posterior de Eu, pecador me confesso].

b. Colóquio

Félix, Adelaide, “Continente e Contéudo” em Colóquio – revista de arte e letras, direção artística de Reinaldo dos Santos e José-Agusto França, direção literária de Hernâni Cidade e de Jacinto Prado Coelho, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, n-º 60, outubro 1970, p. 60-61 [conto]

c. Ler Jornal de Letras Artes e Ciências

Félix, Adelaide, “Escritores, Artistas e Editores – dizem o que pensam da edição deste jornal”, em Ler – Jornal de Letras, Artes e Ciências, Lisboa: [Publicações Europa América], ano 1, n.º 1, abril 1952, p. 1, [Depoimento].

Félix, Adelaide, “Três Faces do Estoril” em Ler – Jornal de Letras, Artes e Ciências, Lisboa: [Publicações Europa América], ano 1, n.º 6, setembro 1952. [Conto].

d. Juventude – revista de cultura nacionalista

Félix, Adelaide, Comentado”, Juventude – revista de cultura nacionalista, Lisboa, Diretor: Mário Santa Clara da Cunha, ano 1, n.º 1, Maio de 1938, p. 19. [Crítica].

Félix, Adelaide, Duas Mãis – peça em três actos, original de Ramada Curto”, Juventude – revista de cultura nacionalista, Lisboa, Diretor: Mário Santa Clara da Cunha, ano 1, n.º 5, Setembro de 1938, p. 41. [Crítica].

Félix, Adelaide, Saias – peça em três atos, original Armando Cortês”, Juventude – revista de cultura nacionalista, Lisboa, Diretor: Humberto de Mergulhão, ano 1, n.º 6-7, Novembro e Dezembro de 1938, p. 48. [Crítica].

Félix, Adelaide, O Fedelho (do livro “O Segredo” a entrar no prelo)”, [desenho de Oscar Pinto Lobo?], Juventude – revista de cultura nacionalista, Lisboa, Diretor: Humberto de Mergulhão, ano 1, n.º 9 [Fevereiro de 1939], p. 33-34. [Conto].

Félix, Adelaide, O Sacrificado de Máximo Portugual”, Juventude – revista de cultura nacionalista, Lisboa, Diretor: Humberto de Mergulhão, ano 1, n.º 10 [Maio de 1939], p. 35. [Crítica].

e. Vida Ribatejana

f. Vida Ribatejana - números especiais [Revista]

Adelaide Félix, “Carta aberta a um escritor… ”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXIV, n.º 944/948, natal 1940, [p. 14]. [Crónica].

Adelaide Félix, “Notas Ribatejanas”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXV, n.º 1002/1006, natal 1941, [fl. 52]. [Crónica].

Adelaide Félix, “Zé Amaro Mendes Viegas”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXVI, n.º 1033/42, 3 julho de 1942, [p. 73]. [Conto].

Adelaide Félix, “Dois Pontos de Vista”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXVII, n.º 1132/43, 25 de dezembro de 1943, [p. 4]. [Conto].

Adelaide Félix, “A Sentinela”, Vida Ribatejana, fotografias de José Palha, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXVIII, n.º 1164/75, 1 julho de 1945, [p. 23-24].

Adelaide Félix, “Maria Vicência”, ilustrações de Vasco Olmo, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXXI, n.º 1343/1341, julho de 1947, [p. 155-157].

Adelaide Félix, “Se nós, Ribatejanos, quizessemos…”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano XXXIII, n.º 1493/1504, ano novo de 1950. [p. 153[Crónica].

Adelaide Félix, “A verdade de Tia Marcolina”, desenhos de Noel Perdigão, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano 40.º, n.º 1927/1938, 1956, p. 41-42.

Adelaide Félix, “Dançarinas de ontem e de hoje”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano 41.º, n.º 1988/1999, 1957, p. 169-170 [Crónica].

Adelaide Félix, “A esquisita vitória de Manuel Coentro” (em exclusivo para Vida Ribatejana), desenhos de Noel Perdigão, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano 42.º, n.º 2046/2057, 1958, p. 16A-16B.

Adelaide Félix, “Aqui se fala de Domingos Saraiva”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano 46.º, n.º 2260/2271, 1962, p. 82-84 [Ensaio].

Adelaide Félix, “Brinquedo de férias: casa-sobre-rodas”, Vida Ribatejana, Vila Franca de Xira, Diretor: Fausto Nunes Dias, ano 50.º, n.º 2480/91, 1966, p. 69 [Crónica].

Giboia : orgão do Grupo "Os Giboias" / dir. A. Félix. - Ilhavo : G. G., [1962?]. - 34 cm. - Descrição baseada em: 11 Mar. 1962

J. 730 P.

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