Opinião | 23-03-2023 07:00

Sair de casa duas ou três vezes por ano e só para subir ao telhado

"Sonho com um império onde cada província, cada cidade, seja administrada por um homem justo, temente a Deus, atento às queixas do mais fraco dos súbditos. Sonho com um Estado onde o lobo e o cordeiro bebam juntos, em toda a quietude, a água do mesmo riacho. Mas não me contento em sonhar; construo".

Não sei se Santarém vai ter ou não o futuro aeroporto internacional, que vai ser complementar ao aeroporto da Portela, em Lisboa. Não sei se o rio Tejo vai secar no Verão como um velho riacho ou se Portugal e os portugueses vão ter capacidade para se unir e encontrar uma solução que salve o rio, e as culturas de Verão, e os furos para regar as searas não sequem nem os poços nos quintais fiquem sem água. Não sei se as terras do Ribatejo, que eram ricas em laranjas e laranjais, um dia vão ser só terra de amendoais e nogueirais enquanto comemos as laranjas secas que chegam do Chile e um ou outro ribatejano vai remando contra a maré plantando couves e nabos para vender nos mercados locais. "Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não" e por isso é tão importante cantar os poetas, que não só os choramingas que escrevem versos, como lembrar quem lavra a terra e a semeia, para que muitos de nós, que nem sabemos pegar numa enxada, nem diferenciar uma semente de girassol de uma semente de feijão verde, não cheguemos a velhos tão cegos e pequerruchos como quando nascemos.
Lavrar livros é um termo que gosto de usar quando tenho tempo para recuperar leituras antigas, onde bebi a minha sabedoria de pastor que se prepara para nos próximos vinte anos, se a alma e o esqueleto forem resistentes, sair duas ou três vezes de casa e em todas as vezes só para subir ao telhado.
Por enquanto estou agarrado ao computador, a pôr o trabalho em dia, como se agarrado com unhas e dentes a um corpo erótico quando de verdade cumpro uma missão que não só me vai ajudar a descansar uma boa parte do resto do dia como sei que vai ajudar quem espera de mim o sacrifício do cordeiro.
O que me deu alento para escrever esta crónica, e onde roubei a ideia de que nos próximos anos só vou sair de casa para subir ao telhado, foi a releitura do livro Samarcanda, que tem um pequeno parágrafo que vou deixar aqui para justificar o interesse que mantenho sobre o destino do futuro aeroporto ou do leito do rio Tejo; "Sonho com um império onde cada província, cada cidade, seja administrada por um homem justo, temente a Deus, atento às queixas do mais fraco dos súbditos. Sonho com um Estado onde o lobo e o cordeiro bebam juntos, em toda a quietude, a água do mesmo riacho. Mas não me contento em sonhar; construo".
"Assim como o mar não tem vizinhos e o príncipe não tem amigos", o cronista não tem como saber quais os temas que os leitores de jornais mais gostam de ver tratados nas páginas meio encardidas do papel de jornal. Por isso, em vez de opinar sobre o que cada dirigente político, a começar nos deputados do regime, deveriam trazer para a opinião pública, a mostrar que existem, e que tem opinião, e que não são uns estupores que apenas comem da gamela do Orçamento do Estado em vez disso, recorro aos livros que já li, e agarrado ao computador, como aos cornos de um boi, pergunto onde é que andam esses trambolhos dos políticos que passam o dia ao telemóvel a falar e a fazer negociatas como se fossem os Seljúcidas dos tempos de José Sócrates, João Rendeiro, Zeinal Bava, entre tantos outros. JAE.

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