Opinião | 19-04-2023 21:00

Quando o Alfa parava na aldeia para desembarcar anunciantes e os empresários que em vez de incentivos querem que os deixem ganhar dinheiro

Emails do outro mundo

Ribombante Serafim das Neves

Ribombante Serafim das Neves
Andamos nesta coisa de epistolar electronicamente, há vinte e quatro anos, feitos dia sete. Semana a semana, ora tu, ora eu, com mais ou menos denodo e bastas vezes sem denodo nenhum, incensamos valorosos, desempoeirados e audazes políticos, dirigentes, empresários e outros salafrários, cujas obras de alto coturno passariam despercebidas e não deixariam rasto sem as nossas ladainhas.
Quando isto começou, numa outra vida, escrever e-mails era do mais moderno que havia. E escrever e-mails do outro mundo era uma combinação perfeita de modernismo com tradição. De tecnologia avançada com religião. Agora os e-mails do outro mundo são o exemplo mais que perfeito de um anacronismo folgazão que sobreviveu à extinção dos dinossauros e dos dicionários.
Mas o mundo não pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança, como escreveu o poeta António Gedeão. Falas no teu último escrito dos anunciantes que nos governam. Eu acrescentaria que os governos não são governos, mas agências de emprego e de publicidade. E também de reciclagem. Têm nota máxima na criação de lugares para familiares e amigos e na reciclagem de promessas de obras que depois anunciam como se fossem novas.
Ainda esta semana voltou a ser prometida uma nova ponte sobre o Tejo na zona da Chamusca e uma nova esquadra de polícia para o Entroncamento, por exemplo. E o novo aeroporto, que já teve uma ou duas localizações, tem agora umas nove ou dez. E a privatização da TAP, do tempo da Troika, vai avançar depois de uma folclórica nacionalização destinada a dar milho aos pássaros, digamos assim. E haverá mais anúncios em breve se o Governo continuar a abanar e se o Presidente Marcelo voltar a falar de eleições antecipadas.
Quanto ao novo aeroporto estou sempre à espera de ler que foi decidido construírem-no na minha varanda. Ou que optaram por uma das famosas soluções (+1) mais um, juntando a minha varanda e a tua. Mas não comeces já a festejar porque um dia destes muda o Governo e volta tudo a girar. Novos estudos, comissões, avaliações, especulações. E lá se vai o meu sonho de vender a varanda por bom preço.
A administradora da TAP contou aos deputados que um secretário de Estado lhe meteu uma cunha para mudar a data e horário de um voo para agradar ao Presidente da República. Fez-me lembrar os tempos em que a CP fazia parar no Entroncamento comboios que não paravam ali, como o Alfa Pendular, para desembarcar, ou embarcar, anunciantes dos governos de outrora, que lá iam pregar remodelações milionárias dos caminhos-de-ferro que, felizmente, nunca foram feitas, para permitir novos embarques e desembarques eleitorais.
Com a associação empresarial NERSANT a ser demolida, paulatinamente, pelo actual presidente Chambel, soube-me bem ler que o presidente que mais trabalhou na sua construção, José Eduardo Carvalho, actualmente à frente da AIP, disse aos empresários, na sessão que celebrou 186º aniversário daquela associação para em vez de saturarem a agenda com mais pedidos de subvenções e incentivos exigirem ao poder político que os deixe ganhar dinheiro.
Um abraço dos antigos, com palmadas nas costas e tudo
Manuel Serra d’Aire

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