Há casas desocupadas que só serão arrendadas por cima dos cadáveres dos seus donos
A Constituição da República diz que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar". O Governo de António Costa prepara-se para que a classe média abra mão das casas de família para resolver o problema que os políticos varrem para debaixo da mesa há meio século.
A população portuguesa está a gritar por uma política de habitação que lhe permita arrendar ou comprar casa a preços decentes, isto é, de acordo com o que ganha e a economia do país em que vive. Infelizmente a habitação deixou de ser um problema do Governo a seguir ao 25 de Abril de 1974 como demonstra a história da nossa democracia. As autarquias, que tinham um papel fundamental na política de habitação, demitiram-se das suas responsabilidades e gastam o dinheiro em festas e touradas como se vivêssemos no melhor dos mundos. Ninguém investe em habitação social com o dinheiro fácil que recebe do Estado e dos contribuintes. Bem mais de metade do orçamento das autarquias é para gastar em recursos humanos, embora uma boa parte dos serviços tenham sido entregues a empresas intermunicipais como é o caso da recolha do lixo e do abastecimento de água. O problema é que muitas das autarquias não se reformaram, não fazem planos para o futuro, não cumprem o seu papel de guardiões da sua população; limitam-se a gerir o dinheiro como se fossem os Donos Disto Tudo. As obras que se vêem por aí são alcatrão em cima de alcatrão. Há orçamentos em festas anuais, repito, anuais, que davam para construir todos os anos uma dezena ou duas de casas a preços acessíveis para arrendar a famílias mais carenciadas. Em vez disso, o dinheiro gasta-se num quadro de pessoal que, em muitos casos, é o dobro do que era preciso; noutros casos em obras de fachada.
Sou do tempo em que comprar casa era um objectivo de vida; já nessa altura, há meio século, se sabia que nos países da Europa desenvolvida, os jovens, assim que atingiam a maioridade, tinham o apoio do Governo para comprar uma casa e tornarem-se independentes. Meio século depois do 25 de Abril Portugal continua um país de políticos trapalhões que, em alguns casos, começam a pôr em causa os valores da liberdade como acontecia no tempo de Salazar. As autarquias mais pobres são aquelas que mais gastam em festas e festarolas e investem menos no tecido social para fixar população. Os socialistas que estão no Poder, que agora querem acabar com o excesso de alojamento local, são os mesmos que aprovaram e vão aprovar a construção de dezenas de hotéis nas grandes cidades, subjugados aos grandes interesses dos grupos económicos estrangeiros que dominam a actividade turística.
Obrigar as famílias a arrendar as casas que têm vagas, ou que só utilizam esporadicamente, é uma política muito mais ousada e autoritária que no tempo de António de Oliveira Salazar. O homem deve estar a rir-se no túmulo. Os socialistas portugueses que nos governam querem que o problema da habitação em Portugal se resolva obrigando os proprietários a arrendar as casas que futuramente vão pertencer aos seus filhos e netos; não aproveitam os fundos comunitários para construir habitação em conjunto com as autarquias; não apoiam os jovens no pagamento dos juros junto do banco público para a construção de casa própria; não criam políticas de incentivo como se faz em todo o mundo; deixam a cada entidade bancária a possibilidade de explorar os empréstimos bancários para casa própria como se vivêssemos todos em Miami ou num qualquer território das grandes Américas onde as desigualdades são pornográficas.
É minha convicção que a lei que o Governo vai criar nunca será implementada. Há pessoas que preferem que passem por cima do seu cadáver que abrirem mão da casa dos avós ou dos pais que está vazia, mas é lugar de memórias e de férias ao longo do ano.
Nota final: esta edição de O MIRANTE conta duas histórias que envolvem o Serviço Nacional de Saúde que mereciam entrar pela casa de família de todos os que ganham a vida na política e com a política. É inadmíssivel que vivamos num país que trata assim os seus cidadãos. JAE.