Opinião | 19-05-2023 07:00

A Eutanásia à portuguesa

Em Portugal, as coisas no papel são sempre de um rigor e de uma minúcia, que, à primeira vista, parecem impossíveis de subverter. Mas quem conhece o nosso país sabe bem que não há lei capaz de resistir à capacidade de interpretação e imaginação do povo português. Quanto mais minuciosa for a lei e mais papéis exigir, mais florescerá o negócio que a nova lei propiciará.

A eutanásia é o procedimento médico consciente, intencional e voluntário que visa evitar maiores sofrimentos e dores a um paciente em fase terminal. Em princípio, este procedimento deveria ser solicitado e ter a aprovação voluntária por parte do paciente, ou de seu responsável, no caso de não ser capaz de expressar sua própria vontade.

Em Portugal, as coisas no papel são sempre de um rigor e de uma minúcia, que, à primeira vista, parecem impossíveis de subverter. Mas quem conhece o nosso país sabe bem que não há lei capaz de resistir à capacidade de interpretação e imaginação do povo português. Quanto mais minuciosa for a lei e mais papéis exigir, mais florescerá o negócio que a nova lei propiciará.

Aqui há uns anos também foi copiada para o ordenamento jurídico português uma lei alemã que permitia o adiamento das audiências de julgamento com atestado médico. À primeira vista, nada a objectar. Se uma pessoa está doente e a doença é atestada por um médico, é justo que o julgamento ou a diligência sejam adiados. E a melhor prova da justeza desta lei alemã era que, na Alemanha, não existiam praticamente julgamentos adiados com base em atestado médico. Acontece que esta mesma lei, quando transplantada para o ordenamento português, gerou o caos nos tribunais, porque, por mera coincidência (obviamente), os julgamentos eram marcados precisamente para os únicos dias do ano em que os arguidos e as testemunhas estavam doentes. Mas que grande pontaria!

Não é, pois, de estranhar que a lei da eutanásia siga o mesmo caminho, começando pelos doentes terminais, passando pelos doentes a termo incerto e acabando nos pacientes sem termo cujos filhos são impacientes terminais para receber a herança. Quanto à papelada a certificar a doença terminal, etc. etc., não tarda nada estão aí a aparecer os certificados preenchidos e assinados a que apenas falta colocar a data e o nome do doente que vai para o terminal da vida eterna. Sempre foi assim em Portugal e não é agora que vai ser diferente.

No meu caso, no entanto, há uma coisa que me assusta mais do que a morte: terminar a minha vida num lar ou numa cama de hospital. Por isso, sou a favor que uma pessoa também tenha o direito de poder optar pela eutanásia, ou seja, por uma morte tranquila, sem dor e medicamente assistida, caso a alternativa seja ser internado num lar ou dar entrada num hospital, sem esperança de regressar a casa.

Santana-Maia Leonardo

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