Reencontros com Nuno Prates de Coimbra a Alpiarça
Crónica onde se conta o reencontro do autor com Nuno Prates ilustre Diretor da Casa dos Patudos.
Este texto deveria ter sido escrito em abril, mas como o cronista não foi à tropa, tem pouca vocação para prazos, é displicente nos tempos da escrita, fora de afazeres draconianos, sejam teses, livros ou, por vezes, por imposições burocráticas, textos de menor valia literária.
Em nenhum deles se enquadra a candidatura da Cidade do Vinho, por sinal vencedora, dos municípios de Almeirim, de Alpiarça, do Cartaxo e de Santarém, sob o lema «o Poder do Vinho», em cuja equipa o escriba teve o gosto de participar — sob a coordenação do vereador Nuno Russo, a quem envio saudações e, por seu intermédio, aos/às restantes colegas. A crónica não é sobre isso. Estamos seguros que todos(as) entenderão. De qualquer modo, foi levada a carta a Garcia, em Sabrosa, no passado de 30 de abril. A olhar de longe o processo dessa vitória, parece uma “tarde na taberna”. O caminho, embora prazeroso, foi mais díficil. Na tarde do final do prazo, ultimavam-se detalhes, vírgulas e pontos fora do sítio, fotografias e afins, quando exclamava: “Vão desculpar-me mas, às 17 horas, tenho de me pisgar para Alpiarça”. Esclareceu-se logo. Não ia comprar vinho ao produtor, ao invés tomar parte na homengem ao Nuno Prates, ilustre Diretor da Casa dos Patudos, em boa hora promovida pelo Rotary Club de Almeirim. Perante tal exclamação, a simpática representante de Alpiarça logo liberou este humilde historiador, os restantes colegas seguiram a deixa.
A prosa versa sobre amizade. Sendo franca, parece-nos mais verdadeira do que vinho. Não azeda. Talvez seja ainda mais poderosa. Só sabe quem se deita a contar amigos(as). No vinho, a verdade. De preferência com dois copos, mas não só, se fazem e se apreciam os mais belos(as) amigos(as)!
Muito rapidamente, rumando a Alpiarça, em corcel, como quem diz um mercedezito de 2010, conduzido rapidamente pela afável Marina — que se dá ao trabalho de aturar o cronista procanistador dias e anos a fio. A jovem não conhecendo bem o caminho, chegou a tempo ao destino. Menos sorte teve o discurso. Alinhavado em notas bonitas, impresso de véspera em folhas de papel branco, sofeu encontro fatal com a chuva sorrateira. Encharcado que nem um pinto, sobreviveu o orador, mais molha menos molha, o discurso nem por isso. Conspirava São Pedro para que as palavras de homenagem a Nuno Prates fossem de improviso. No fundo, estes parágrafos tentam, sobretudo, o exercício de as reconstituir. Se tudo fica melhor de improviso? Talvez sim… talvez não. Os brindes parecem que sim, e o que importa a 21 de abril ou a 12 de maio, é brindar ao Nuno Prates, com o melhor dos Vinhos do Tejo!
Conheci o Nuno, sem o conhecer. Rumámos longe para estudar história, ambos, com esforço abnegado de nossas famílias, tivémos a possibilidade de o fazer. Viver em Santarém (ou em Alpiarça) e ter de ir para Coimbra (ou mesmo para Lisboa) estudar História faz quase tanto sentido como um amigo que teve de fazer enologia em Bragança, porque na época não havia mais perto. Claro, é sempre bom rasgar horizontes e viver longe da tutela familiar. Porém, a opção de permancer naquilo que se tem vocação, na terra mátria, também deveria exisitir. Agora, felizmente já há enologia cá pelo Tejo. História, nem por isso. Só nos livros, nas pedras e nos museus, nas francas gentes. Nas universidades nem vê-la… que pode fazer mal, pode fazer pensar.
Nos idos de abril longínquo, conheci então o Nuno, sem o conhecer, perdido nesse mundo encantado das bibliotecas abertas até às 23h00, descobrindo os encantos sedutores de donzelas namoradeiras. Hoje, sei que militámos em campos opostos, nas tão interessantes lides da política académica. Nuno, já então civicamente empenhado, fez parte do coletivo da FLUC da JCP. A “nossa oposição”, ou melhor, a oposição da Lista U (outrora da mesma JCP), desde os anos 90, ganhava nessa Faculdade, tipo Coreia do Norte, com 80 a 70% dos votantes. A lista U, do meu tempo já juntava todas as sensibildiades políticas, do Opus Dei ao Rutura/FER, sob as batutas do ensino público gratuito e universal e da ausência de beneses para quem tinha cargos associativos. Foi uma boa escola de parte a parte, e aliás de salutar convívio com a oposição. Interesses diversos, caminhos (des)cruzados, fiquei na memória do Nuno e ele não ficou na minha.
O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado, (Mc 2,23-28), ensinou Jesus Cristo, na memórias de São Marcos. O mesmo se pode dizer da cultura, do saber livresco. De pouco valem sem pessoas para os habitar. Pouco seria de mim, de José Relvas e da Casa dos Patudos, sem homens e mulheres da fibra de Nuno Oliveira Prates para a promover, para lhe velar e para lhe divulgar a memória. Na senda dos livros, cruzei com os Patudos, ainda, sem me cruzar com o Nuno. Em 2011, foi a escritora Margarida Vieira quem nos aproximou. Foi crescendo a amizade, sob o espetro tutelar de José Relvas. Bem como, de quando em vez, não tantas vezes quanto gostaríamos, acompanhada de um bom repasto e de um bom vinho. Sem dúvida: a Nuno Prates devo boa parte do caminho trilhado até agora, quer na simpatia atenta do colega de ofício, com sugestões pertinentes; quer na boa paciência das horas que lhe roubei para poder estar no arquivo do museu; quer, sobretudo, pelo que já fomos concretizando juntos e sonhando muito mais. Destaca-se o Seminário Nacional em 2019, reunindo conjunto de alargado de investigadores, focando diversas temáticas em torno de José Relvas. Nessa ocasião, rumou a Alpiarça, Sua Excelência o Presidente da República Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, comemorando os 100 anos do Governo presidido por José Relvas, na casa do homenageado. Esperemos, já reunindos os textos, a oportunidade de as atas saírem em breve, dando testemunhado aos vindouros desses trabalhos.
Museólogo de craveira nacional e internacional, tenho tido o privilégio de, por intermédio de Nuno Prates, colaborar no curso que coordena na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), bem como a honra de com ele coassinar dois artigos sobre José Relvas. Um deles, integrado no livro Mobilidades: olhares transdisciplinares sobre um conceito global (Noras, Prates, 2021: 505-516), foi publicado pelo CITCEM (Universidade do Porto), versando as viagens e sociabilidade cosmopolita de José Relvas entre a arte, a política e claro, os vinhos. O outro, publicado na revista Anais Leirenses (Noras; Prates: 2019, p. 141-156), abordou as vivências dos Relvas na I Guerra Mundial. Aí, publicámos um documento inédito sobre a posição crítica de Carlos Loureiro Relvas (1884-1919) em relação à subserviência portuguesa à Inglaterra, questão que originou a declaração de guerra alemã, em 1916. Posição, aliás, tomada em comício em Santarém, que lhe gerou dissabores, numa das poucas intervenções políticas diretas que se lhe conhece, agora melhor. São sempre dingos os que sabem o preço do carácter.
Foi na ocasião desse colóquio que, pelo menos juntos, pela última vez fisicamente, nos cruzámos com João Bonifácio Serra (1949-2023), homem da História, “amigo de José Relvas”. Infelizmente desaparecido neste último abril (Castanheira, Expresso, 20/04/2023), a quem Nuno Prates, naturalmente, soube e bem, desde logo, homenagear. Partindo, de mansinho, ainda muito cedo, Bonifácio Serra também deixou em Alpiarça testemunhos de apreço. De forma poética, Bonifácio disse-nos um dia, numa entrevista a Ana Aranha (Atena 2), que faria tudo por José Relvas, ora é prescisamente isso e mais que faz Nuno Prates, na abenganção com que, gere a sua equipa, entregando-se corpo e alma todos os dias à Casa dos Patudos | Museu de Alpiarça. Na forma que sempre almeja mais, na boa vontade, com que, para prejuízo próprio, Nuno colabora e apoia todos(as) os(as) investigadores(as) que ali se dirigem; no dinamismo com que precorre o país divulgando parte indelevél da nossa memória coletiva e do seu torrão natal, aos quais está ligado desde a primeira juventude.
Em 2016, na Casa dos Patudos, a quando da entrega da Medalha de Ouro da AMPCH ao Município de Alpiarça, José Miguel Noras recordou: quem guarda perde, quem oferece guarda para sempre. Como ninguém, Nuno Prates, no elevado exemplo de virtudes humanas e da melhor generosidade, honra a plenitude desse repto. Assim também o fizeram os amigos rotários do Rotary Club de Almeirim, bem como o escol de homeens e de mulheres que se juntou à bonita homenagem.
As palavras, à maneira de Florbela Espanca, são túmulos. Nunca dizem tudo. Às vezes, calam-se. Sob a mesma forma de abraço efusivo dado a 21 de abril, fica aqui, novamente, o meu Bem-Haja! O muito obrigado que lhe deve a minha biografia política de José Relvas (Noras, 2022). O mesmo gesto, com o desafio, o repto e a força dos poemas de Sidónio Muralha, para que a nossa caminhada apague sempre todos os silêncios, em especial os das ausências, de que em breve Nuno Prates nos ofereça a biografia artística de José Relvas em que tem vindo a trabalhar! Todos nós, especialmento o autor, merecem esse triunfo!
Quem também merece um outro abraço é a Senhora Sua Mãe, do Nuno, bem entendido, relembrando que não está esquecida a promessa de visita em breve, estando certo que a conversa dará para muitos textos no jornal.
Referências:
Castanheira, José Pedro, (2023), “João Bonifácio Serra (1949-2023)”, O Expresso, 20/abr./2023, disponível em linha em: https://expresso.pt/sociedade/2023-04-20-Joao-Bonifacio-Serra--1949-2023--67f7c5b7
Noras, José Raimundo; Prates, Nuno (2019), "Vivências da família Relvas na «Grande Guerra»: entre negócios, arte e a política" em Joana Beato Ribeiro (coord.), «Anais Leirienses - Estudos e Documentos. Nº 3 - Comunicações apresentadas no Colóquio da Exposição "Um Médico na Grande Guerra. Fernando da Silva Correia", realizado nas Caldas da Rainha em 22 de Setembro de 2018». Leiria: Hora de Ler: outubro 2019, pp. 141-156.
Noras, José Raimundo; Prates, Nuno (2021), “Uma biografia cosmopolita de José Relvas : um «Viajor» entre arte, colecionismo e ação política” em Amélia Polónia; Francisco Mangas (coord.), Mobilidades: olhares transdisciplinares sobre um conceito global, Porto: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, dezembro de 2021, p. 505-516, [disponível em linha em: http://hdl.handle.net/10451/55685].
Noras, José Raimundo, (2022), A ação política e o ideário social de José Relvas (1858-1929). Tese de doutoramento em História, programa PIUHIST, apresentada à FLUL, sob orientação de António Ventura,