Os jornalistas e os patrões dos jornalistas
Quando a imprensa tinha poder viajei, conheci e fiz amizade com pessoas que me abriram os olhos; soube que se temos uma caneta para escrever e trabalhamos num meio com visibilidade todos nos respeitam; se só temos a caneta para escrever e não temos onde publicar regularmente, e possamos ser lidos, é como se não existíssemos na profissão.
O jornalismo é actualmente uma actividade em extinção acelerada e a culpa é da revolução que as redes sociais impuseram e da facilidade com que os oportunistas usam a ferramenta para fazerem filhos em mulheres alheias. Explico melhor: hoje posso ler todos os dias os principais jornais do mundo sem gastar um cêntimo e directamente do meu telemóvel. Tenho amigos que me fazem tremer de emoção quando passo um dia em que não abro o El País ou a Folha de São Paulo ou o Liberation, ou os jornais portugueses, sem excepção, porque tudo o que se passa à minha volta me interessa.
Não perco tempo nas redes sociais a ler aquilo que sei que faz as delícias da maioria, e por isso estou protegido contra as notícias falsas e o jornalismo como caixa de ressonância de interesses criminosos ou antidemocráticos.
Nada me livra, no entanto, da leitura de textos desinteressantes e pobres de conteúdo. É disso mesmo que quero escrever aqui. Os jornais perderam fontes de financiamento, e sem publicidade não há independência editorial. Os jornais comprados por grupos económicos que vivem de actividades que dependem de favorecimentos governamentais, jamais serão capazes de seguir uma linha editorial que escrutine sem olhar a nomes e a siglas.
Tudo o que se sabe sobre negócios e comunicação social já foi escrito e filmado. Desde que me fiz jornalista, há 35 anos, que sei tudo isto, que entretanto acumulei com a experiência de cidadão atento e participativo.
Quando a imprensa tinha poder viajei, conheci e fiz amizade com pessoas que me abriram os olhos; percebi a importância de delegar responsabilidades, mas nunca perder o norte; soube que se temos uma caneta para escrever e trabalhamos num meio com visibilidade, todos nos respeitam; se só temos a caneta para escrever e não temos onde publicar regularmente, e possamos ser lidos, é como se não existíssemos na profissão.
Claro que esta realidade não é só no meio editorial; mas nesta profissão a realidade é mais cruel. Se o jornalista não tem leitores não consegue provar a utilidade do seu trabalho, logo deixa de ser preciso na empresa que lhe dá emprego. Se a empresa editorial não tem força para facturar em razão da sua importância no mercado, e vive dos favores do dinheiro fácil de outras empresas, o jornal vai à falência, a missão de escrutinar o poder deixa de ser importante, o cidadão percebe, ou não, que a melhor cidadania começa num artigo de jornal e acaba numa discussão no bar da colectividade, ou numa roda de amigos, ou em qualquer outro fórum a que esteja associado.
Os patrões da comunicação social em Portugal desapareceram de cena. Os congressos dos jornalistas e dos patrões dos jornalistas passaram à história. Os meus anos de aprendizagem ainda não acabaram, mas posso escrever com toda a certeza que já não vai ser no meu tempo que os jornais recuperam a sua importância, e as televisões percebem que não vale tudo para atrair audiências. Certamente que a coisa ainda vai piorar para depois voltar outra vez aos tempos da boa aventurança. Nessa altura já cá não estarei, assim como a maioria dos homens da minha geração, mas deixaremos o nosso trabalho, o nosso exemplo, e também as asneiras que cometemos que vão servir de exemplo para quem sabe que, na vida, as lições nunca são perfeitas, há sempre coisas que temos de aprender à nossa custa. JAE.