Limpos ou javardos
Temos a fama de ser um povo muito limpinho e asseado, estando mesmo no topo daqueles que tomam mais banhos de duche por dia. Portanto, dentro de casa, um espanto! Só que, fora de casa...
Bom, eu pertenço ao grupo de privilegiados que consegue todos os anos usufruir de duas semanas de férias na praia. Daí ser agradecido por esses tempos de ansiada modorra, onde o espírito, mais do que o corpo, desacelera para níveis saudáveis, dos quais nunca deveria sair.
Ocupo a maioria do tempo a vislumbrar, serena e indolentemente, aquela linha diáfana onde o mar se encontra com o azul do céu - a que também poderíamos chamar mais facilmente de horizonte... -, numa actividade, aliás, extremamente exigente e que me deixa profundamente extenuado.
Porém, a minha preguiça consegue ser solenemente perturbada com condutas próprias de um povo que quer caminhar no trilho da civilidade, mas que ainda evidencia colossais...ah, como diria...incivilidades, para não lhes chamar outras coisas, como por exemplo, comportamentos boçais, grosseiros, mal-educados, ou mesmo, imbecis.
Não vale a pena ter medo das palavras, as coisas são o que são e cada um que enfie a carapuça - ou o “barrete” como aqui se diz no Ribatejo.
Temos a fama de ser um povo muito limpinho e asseado, estando mesmo no topo daqueles que tomam mais banhos de duche por dia. Portanto, dentro de casa, um espanto! Só que, fora de casa, assumimo-nos muitas vezes como hediondos e sórdidos cerdos, que deixam envergonhado quem ambiciona um país moderno e limpo - seja por dentro, seja por fora. Somos egoístas e não queremos viver em sociedade. Eis alguns exemplos que observei no espaço de apenas 15 dias:
1. No denominado “paredão” - passeio pedonal - entre S. João do Estoril e Cascais, uma mãe que ainda não possuía 40 anos, determinava a três imberbes rebentos - que teriam entre os 6 e os 12/13 anos - que urinassem, já ali, contra a parede, ordem que a prole celeremente cumpriu. Existiam casas de banho públicas a cerca de 50 m de um lado do edificativo mictório familiar e a cerca de 200 m do outro lado. Ambas gratuitas e limpinhas.
2. Na praia dos Salgados, no Algarve, existem numerosos locais para deposição do lixo que diariamente ali se vai fazendo, com cada um desses locais munido de recipientes azuis, amarelos, verdes e castanhos, para as respectivas tipologias de detritos. Escusado será de dizer que, por exemplo, o recipiente amarelo para plásticos e metais estava pejado de fraldas descartáveis, enquanto que o azul para o papel continha várias garrafas de plástico e cascas de fruta.
3. O Município de Silves insiste em manter a tradição de ostentar autênticas pirâmides de imundice em redor dos seus diversos ecopontos da povoação de Armação de Pêra, sendo que aqueles, sórdidos, de tão atulhados que estão, vertem constantemente porcaria para a rua, num espectáculo deprimente e repugnante.
4. Tal como em Santarém, alguns, certamente muito felizes, turistas da mesma praia de Armação de Pêra, fazem questão de plantar, diariamente, milhares de bostas dos seus estimados perros por tudo o que é rua, ruela e recanto da povoação. Atente-se, contudo, que os augustos canídeos não têm culpa nenhuma da boçalidade dos seus donos.
5. Regressado de férias, fui penosamente às compras com a minha patroa a um dos vários supermercados existentes em Santarém. Saídos da viatura para entrar na loja, um casal bem-apessoado cruza-se connosco. Subitamente a mulher abre a gaiteira mala e despeja para o chão vários fragmentos de papel rasgado. Indiferente, o nobre casal segue o seu caminho, deixando-me, aparvalhado, sem capacidade de reacção.
Que orgulho! Persistimos em fazer do espaço público o espelho da javardície da nossa boçalidade.
Shame on you.
P.N.Pimenta Braz