Heróis de bar, pobre povo, nação dormente e sem igual
Atento Manuel Serra d’Aire
Atento Manuel Serra d’Aire
Perdoa-me por começar com um desabafo brejeiro e recorrente: estamos entregues à bicharada!! O gasóleo está a bater nos dois euros, a gasolina já ultrapassou essa fasquia, os juros dos empréstimos à habitação prosseguem a escalada rumo ao Evereste, as rendas de casa estão a valores brutais, o azeite está ao preço do ouro, as idas ao supermercado transformaram-se em autênticos safaris de caça aos descontos e promoções e, em cima disso, temos uma sobrecarga de impostos com o volume de um halterofilista búlgaro. Em suma, somos um povo pobre nos rendimentos mas abonado nas despesas vivendo numa espécie de Éden de segunda classe onde os restaurantes, bares e esplanadas continuam a florescer e onde há festas, festivais e eventos em contínuo porque a malta tem que desanuviar a cabeça depois da pandemia, nem que passe metade do mês a massa com atum.
Não admira por isso que os nossos governantes e patrões do imobiliário, da restauração, da banca, dos combustíveis ou do retalho alimentar nos tratem como escandinavos no que toca aos preços e aos impostos. Se há dinheiro para a borga também deve haver dinheiro para o bife. Provavelmente, pensam, lá na bolha asséptica onde vivem, que os rendimentos da populaça andam ao nível dos deles. E como a malta não põe a boca no trombone nem sai da toca – porque aos protestos dos professores e dos médicos já ninguém liga, por fazerem parte da paisagem – é natural que se conclua que o português aguenta e não rebenta. A não ser quando se trata de foras de jogo mal tirados ou de penáltis inventados...
Se há desígnio nacional que a classe dirigente conseguiu cumprir foi transformar-nos em domesticados seres pagantes, em contribuintes encartados. Em criança eu queria ser bombeiro, depois jogador da bola e mais tarde, já na adolescência, comecei a pensar que poderia dar um bom professor. Não fui nada disso, mas graças à formação que me tem sido ministrada ao longo dos anos por sucessivos governantes e organizações diversas tenho hoje orgulho em afirmar que sou um exímio e talentoso pagador de contas e de impostos.
A minha instrução nesse campo, tal como a de muitos outros bons alunos, merecia, no mínimo, um diploma e entrada a letras douradas num quadro de honra por tantos anos de dedicação. É o retorno mínimo, a cenoura que o burro merece. Cumprir zelosamente o pagamento de facturas e impostos é o fuel que, verdadeiramente, impulsiona muitos de nós da cama todas as manhãs cedinho para mais uma jornada de luta. Tal como há estátuas ao soldado desconhecido, também seria da mais elementar justiça que se implantasse uma estátua ao contribuinte desconhecido (de preferência junto ao Ministério das Finanças) que pugna com bravura contra o IVA, o IRS, o IMI, o IUC, o ISP e outros temidos antagonistas.
No meio deste rosário de lamentações deixo um viva às jovens ribatejanas de Azambuja, Cartaxo e Rio Maior que brilharam no concurso Rainha das Vindimas de Portugal arrebatando os três primeiros lugares. Espero que os prémios estejam isentos de impostos.
Um adeus português do
Serafim das Neves