Opinião | 18-10-2023 07:00

Mouchão da Póvoa: “ Terra de ninguém”

Antes da devastação o mouchão no processo de falência foi valorizado em cerca de três milhões de euros, expetativa reduzida a pó pela inundação. E, desde modo, se chegou ao vazio: o custo de repor as condições (no mouchão e canal) é bastante superior ao valor comercial do mouchão( :) O país tem de escolher entre criar riqueza para todos ou imobiliário especulativo para alguns.

Na Europa, são poucas as ilhotas fluviais (mouchões) que no passado tenham, pelo seu tamanho, justificado a exploração agrícola mediante a construção de diques para escapar à subida da maré, uso hoje abandonado em quase todas elas por inviabilidade económica.

O mouchão da Póvoa com 810ha – 420ha (52%) dentro do dique – é, na totalidade, propriedade privada:

É do conhecimento público que o mouchão está há muito abandonado. O município e a comunicação social já davam alerta há cerca de quinze anos para o risco de derrocadas no dique de contorno e, também, que o proprietário estava em processo de falência.

Como chegou o mouchão da Póvoa à condição de “terra de ninguém”

O risco de derrocada por manifesta incapacidade do proprietário era iminente, o que significa que o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) o devia ter substituído na prevenção do risco, dado lhe competir (legislação) zelar pela estabilidade dos mouchões de Alhandra, do Lombo do Tejo e da Póvoa”, mormente pelo bom funcionamento hidráulico do sistema de diques:

Ponto 2: O objetivo principal da intervenção específica visa obter a integridade física dos mouchões e dos seus habitats naturais, designadamente através da contenção dos processos erosivos que ameaçam a sua estabilidade e através da promoção de atividades sustentáveis.

Ponto 3: As intervenções a desenvolver devem incluir as seguintes medidas: a) Medidas de gestão associadas ao bom funcionamento hidráulico do sistema de diques e comportas

No Inverno de 2016, infelizmente, ocorreu uma derrocada. A intervenção pública deveria ter sido feita o mais tardar no Verão de 2017, mas nada se fez até hoje e o vaivém das marés levou à total devastação da camada superficial e à fragilização de todo o dique.

E assim se chegou à “terra de ninguém”. Antes da devastação o mouchão no processo de falência foi valorizado em cerca de três milhões de euros, expetativa reduzida a pó pela inundação. E, desde modo, se chegou ao vazio: o custo de repor as condições (no mouchão e canal) é bastante superior ao valor comercial do mouchão.

O ICNF reconhece conveniente a mudança de uso do mouchão da Póvoa

O organismo, para se escusar à reparação do desastre do mouchão, entendeu impor à VINCI a mudança de uso do mesmo para fonte de alimentação/refúgio de aves, como forma de aprovar o EIA do uso civil da BA Montijo.

O organismo impôs algo que a segurança impede: legislação aeronáutica desaconselha colocar novas atividades/usos que atraiam aves, a menos de 6km de existentes pistas. Ora, o novo refúgio de aves ficaria colado à pista OGMA.

E agora? O que fazer com uma ilhota fluvial salinizada que mais parece uma paisagem lunar.

Fica como está (terra de ninguém), ou vai o ICNF refazer/reforçar todo o dique de contorno e, ainda, alteá-lo para ficar já de acordo com a esperada subida do nível da água? E, além de repor a terra vegetal vai também alteá-la em sintonia com o dique? E, depois faz o quê, entrega a ilhota ao proprietário, vende a propriedade, arrenda o uso agrícola que se sabe ser inviável?


O ICNF há muito tempo que tem na sua mão um uso alternativo: a colocação de pistas aeronáuticas do HUB Alverca-Portela

A lição da Alemanha, país rico com apurada consciência ambiental, mas pragmático.

O aeroporto Airbus-Hamburgo (110ha) estava colocado num mouchão de cerca de 800ha, perto de terra. Para a produção do avião A380, era preciso ganhar ao estuário uma área de 215ha (de que 170ha era área protegida nível máximo). O ganho de área foi através de dique de contorno, enchimento – a cota sobrelevada − com areia de dragagem (+/- doze milhões m3) e posterior consolidação.

Face à pressa da decisão, o projeto privado foi aprovado pela UE em regime de “procedimento acelerado”, em menos de um ano estava-se a construir edificações.

O HUB Alverca-Portela (doravante HUB) é “bom aluno” das práticas alemãs

O aeroporto OGMA-Alverca tem junto a si um mouchão de 810ha. Para as pistas será alteada uma área de 160ha do mouchão (+/- 6-7mihões de areia de dragagem) mediante dique de contorno. Numa escala descendente de sensibilidade de um a quatro, a área do mouchão fora do dique tem proteção dois e a de dentro (hoje totalmente devastada) tem proteção quatro.

Para ganhar área para o projeto público do aumento do HUB Lisboa, proporá a UE usar 160ha de área protegida (de nível quatro 120 e de nível dois apenas 40), mediante metodologia construtiva e “procedimento acelerado” como em Hamburgo.

Pergunta-se aos portugueses, acham que a UE aprova mais facilmente/mais rapidamente o caso nacional ou o caso alemão?

No nosso caso é um projeto público (alemão é privado). Para a parcela de 120ha (nível quatro) até basta a aprovação interna, conforme “o regime previsto para as áreas terrestres de proteção complementar não prejudica a realização dos projetos que sejam declarados de relevante interesse público por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pela área do ambiente e da tutela”, o que significa que apenas 40ha sobre área protegida de nível dois (no caso alemão 170ha de nível máximo) irão à EU.

E, mais-valia comparativa importante para UE, no nosso caso é suplementarmente melhorada a saúde e a segurança das pessoas ao desviar-se 75% (inclui todo o longo curso) do tráfego aéreo do HUB Lisboa para Alverca (trajetórias sobre água) versus o caso alemão, cuja única justificação para ampliação no local protegido era “apenas” por viabilidade económica mais favorável (poderia ser feita noutro local).

O país em geral e a população de Alverca em particular devem ponderar

Num prato da balança está o interesse nacional num aeroporto-inovação mundial em “terra de ninguém”, que poupa ao país 10 mil milhões de euros.

No outro prato da balança, é reforçado o peso do que a edil Luz Rosinha mais temia em 2006: a OGMA ir para o novo aeroporto (Ota) para beneficiar da passagem direta dos aviões. De facto, na equação de hoje, há que contar com o sobrecusto de se altear a pista OGMA (Alterações Climáticas) para continuar a atividade da empresa.

Ora, o mundo da aviação é volátil, veja-se Toronto, onde a empresa Bombardier decidiu mudar para o aeroporto Pearson. Em 2018 vendeu o aeroporto-fábrica Downsview Park (que equivale a Alverca-OGMA) a um Fundo de Pensões, que nele projeta um desenvolvimento imobiliário (pode ser consultado online).

O país tem de escolher entre criar riqueza para todos ou imobiliário especulativo para alguns.

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