Revitalizar a tourada para ganhar músculo, adoptar javalis em Abrantes e pintar a Casa dos Patudos de verde garrafão para salvar o planeta
Contemporizador Serafim das Neves
Contemporizador Serafim das Neves
Já fechou a época das touradas e não dei por grandes burburinhos. Provavelmente a culpa é minha, dado não frequentar sítios que se dedicam a tais estados de alma. Falo nisto porque tropecei numa referência a anti-taurinos em Os Maias, de Eça de Queiroz, publicado pela primeira vez em 1888.
Discutia-se a realização de uma corrida de cavalos em Lisboa e um dos personagens do romance, Afonso da Maia, diz que, patriotismo era fazer uma boa tourada, em vez de uma corrida de cavalos. E explica que, se ainda havia, na “triste geração moderna, uns rapazes com certo músculo e espinha direita”, isso se devia ao toiro e à tourada.
E num aplauso a tal declaração, um outro personagem, o Marquês de Souzela, espantava-se por ainda haver “imbecis” que falavam em acabar com os toiros. “Oh estúpidos, acabais então com a coragem portuguesa!”, exaltava-se.
E na altura ainda não existia o PAN, nem o Bloco de Esquerda, estando os tais “imbecis” e “estúpidos” a que ele se referia, provavelmente integrados num qualquer movimento inorgânico oitocentista.
Quase século e meio depois, as corridas de cavalos continuam a ser raras e as touradas não acabaram. Mas a tal coragem portuguesa forjada nas touradas, que geravam rapazes com músculo e espinha direita é que parece estar a amolecer.
Será por causa dos toiros, dos toureiros, dos cavaleiros ou dos forcados? Ou será por causa das investidas, digamos assim, de deputados amigos dos animais e do batuque de tachos e panelas que se instala à porta do Campo Pequeno para azucrinar e insultar o povo ignaro?
Se calhar ainda vai aparecer alguém a pedir que o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) disponibilize uns milhões para robustecer a tauromaquia, como forma de promover a coragem e gerar gente com músculo e espinha direita.
Por falar nos nossos amigos animais, há notícias interessantes vindas de Abrantes, concelho onde um dia destes, dizem as estimativas, haverá mais javalis em meio urbano do que pessoas. Não nascem bebés na maternidade, mas nascem ninhadas de javalizinhos nas matas à volta e a população aumenta. Quem fala em desertificação acentuada do interior não sabe do que fala.
Termino com as visitas a museus dos rapazes e raparigas do clima. A mais recente foi à National Gallery em Londres onde aproveitaram para dar umas marteladas, salvo seja, numa tal Vénus de Velázquez, a ver se lhe endireitavam as costas, mas aqui há tempos foram visitar o CCB, em Lisboa, e deram uns valentes retoques num quadro do Picasso para ver se lhe melhoravam o aspecto.
Aplaudo aquele entusiasmado gosto pela cultura, mas lamento que eles sejam mais centralistas que os políticos e não saiam de Lisboa para visitar os belos museus aqui da região. Será que nunca ouviram falar da Casa Museu dos Patudos em Alpiarça? Do Museu Carlos Reis em Torres Novas? Do Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira? Do Museu Diocesano em Santarém ou mesmo do Museu Etnográfico de Glória do Ribatejo? Eles que venham apanhar ar que só lhes faz bem. E se estiverem para aí virados, colem-se a qualquer coisa ou pintem o que quiserem. Não sei se melhora o ambiente, mas pelo menos vamos aparecer nos telejornais.
Saudações ambientais
Manuel Serra d’Aire