Opinião | 16-11-2023 07:00

O teatro de Mónica Calle, o destino de António Costa e as palavras chulas que sabe tão bem utilizar

Numa semana em que em Portugal tudo voltou a desaguar no mar da palha, sem honra nem glória, trago aqui uma história da ida ao teatro de onde trouxe uma palavra chula que serve de pretexto para deixar uma pergunta ao ainda primeiro-ministro António Costa.

A saída de um teatro, depois de ver um espectáculo, é para mim ainda teatro. Regra geral tento sempre ouvir os comentários colando-me às pessoas, ziguezagueando para perceber que conversa me interessa mais. São dois minutos apenas, no máximo, conforme a saída do teatro dá para a rua ou para um espaço ainda interior, onde pode existir uma livraria, ou uma outra forma de adiar a dispersão das pessoas ainda tocadas pela arte de Molière. E o que ouço, muitas vezes, ajuda-me a perceber melhor os meus gostos, a formar a minha opinião, a perceber porque vamos em rebanho ver e ouvir actores em palco a fingirem vidas que não existem, e a darem corpo e voz a histórias na maioria das vezes inventadas.
Na passada semana fui ver “Salomé” ao Teatro São João, no Porto, encenado pela Mónica Calle que é uma das minhas actrizes e encenadoras de eleição. A plateia e o primeiro balcão estavam quase cheios, embora fosse uma quinta-feira. À saída formou-se um cogumelo de pessoas, as primeiras a sair do teatro, onde me encontrava. Uma Senhora, talvez da minha idade, baixa estatura e parecida com a D. Micaela, dona de uma antiga mercearia que ficava colada à minha casa de família, vinha divertida e com um sorriso disse em voz alta para um dos seus pares: “hoje não dormiste, deves ter ficado todo o tempo com os olhos bem abertos... seu c@ralh*”. Na altura em que disse o palavrão os meus olhos cruzaram-se com os dela; deve ter reparado que eu era sulista e levou as mãos à boca sem deixar de sorrir e de fazer a festa e deitar os foguetes no meio do grupo que a acompanhou e que era todo mais ou menos da mesma idade. A actriz que encarna Salomé, Mónica Garnel, esteve quase sempre nua ou seminua em palco, assim como a maioria dos seis actores, e por isso o comentário brincalhão à saída entre pessoas que provavelmente são presença assídua no teatro São João.


A actividade política em lugares de responsabilidade, seja no Governo da Nação ou nas autarquias, devia ser o serviço que todos os cidadãos prestam ao seu país devolvendo tudo ou quase tudo aquilo que o país já fez por eles. A frase é velha e faz parte do vocabulário de muitos políticos. Ouvi-a dezenas de vezes na minha vida de convívio com políticos encartados, uns mais que outros, enquanto vendiam o seu peixe. A verdade é que é muito raro encontrar um político que tenha cumprido, ou que esteja a cumprir, este desígnio. Por isso a política é cada vez mais um teatro, como se comprovou agora com a demissão de António Costa que terá sido o primeiro político português na chefia de um Governo a pedir desculpa aos eleitores já depois de ter caído do pedestal; e, sem rebuços, anunciou que provavelmente já não deve regressar à vida pública, ele que nos últimos anos era notícia quase todos os dias por poder vir a presidir a um grande organismo internacional. António Costa sabe como funciona a Justiça e os anos que estes processos demoram e se arrastam nos tribunais. Mas tudo isto, que é muito triste, não retira a António Costa a fama e o proveito de ser um dos mais brilhantes políticos das gerações do pós 25 de Abril de 1974, com uma carreira invejável tanto no Governo do país como nas autarquias. Então como é que se deixou enredar numa teia de interesses aparentemente montada por gente incompetente, lobystas encartadas, pergunto eu que só me apetece repetir como a Senhora do Porto que estava a meter-se com o seu amigo e companheiro de visitas ao teatro São João: o que é que lhe aconteceu, seu c@ralh*, a si que sempre foi um político cuidadoso, honrado, brilhante e destemido? JAE

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