Opinião | 30-11-2023 07:00

Mudar os pneus faz toda a diferença

O tesouro perto de nós é inerte, como se não existisse só a viagem é que faz com que o tesouro exista.

Tenho uma mota Yamaha XT 600 comprada ao Fernando das bicicletas na Feira da Ascensão de 1998. É a minha mota de eleição apesar de ter uma outra mais nova a que hoje dou pouco uso. Não há dia que não ande de mota desde há cinco anos quando mudei de morada. Antes, a moto era para dar umas voltas pela charneca ou pelos campos do Ribatejo ao fim-de-semana quando ficava na Terra Branca. Hoje é para percorrer a cidade entre a casa e o ginásio, a praia, o cinema e as livrarias, e muitos outros afazeres que preenchem a vida de um homem que não gosta de rotinas mas nem sempre consegue fugir ao ramerrame do dia-a-dia. A moto ainda não tem 25 mil quilómetros e acabo de lhe mudar os pneus, o que me fez sentir que tenho uma mota nova. Não fazia ideia que uns pneus novos podiam alterar o equilíbrio na mota, dar-lhe outra performance na estrada, maior segurança, um prazer ainda maior de fazer as curvas. Quero dizer: acho que sabia, mas esqueci-me, a borracha dos pneus ficou requeimada mas o rasto manteve-se bom o suficiente para eu julgar que estava seguro em cima da mota. Não estava.
Curiosamente liguei recentemente a um médico meu amigo a
dizer-lhe que precisava de uma consulta e ele disse-me para aparecer que tínhamos que mudar os pneus e as câmaras de ar para eu não me estampar pelo caminho. Foi já depois de ter mandado mudar os pneus da moto. Contado ninguém acredita mas é verdade. A vida vai-se vivendo e escrevendo de pequenas e grandes aprendizagens.


Escrevo esta crónica no aeroporto de Lisboa, a caminho de um destino africano, já a sentir-me a viajar com pneus novos. Curiosamente esta sensação de partir também tem mudado ao longo dos anos desde que li que a verdadeira viagem é a do regresso. Levo comigo uma biblioteca porque acho que vou ter o tempo todo para ler. Inclui um livro com o título "O Cunho do Editor, que tem uma história maravilhosa entre um rabi que vivia em Cracóvia e um chefe dos guardas de uma ponte em Praga, capital da República Checa, que gira à volta da procura por um tesouro que afinal estava no lugar mais improvável do mundo, mas que o rabi só descobriu porque fez a viagem para o lugar errado. A conclusão do autor do livro é tão bela como a história: "o tesouro perto de nós é inerte, como se não existisse. O verdadeiro objectivo é a viagem, aliás, a viagem improvável. Uma viagem improvável porque leva para longe, para um lugar incongruente, e, sobretudo, porque requer confiança (...) em algo que, por definição, é fugidio e não dá garantias: um sonho. Mas só a viagem é que faz com que o tesouro exista". JAE.

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