As cavalgaduras avessas à modernidade e as inquietações de um vereador da terra dos fenómenos
Impagável Manuel Serra d’Aire
Impagável Manuel Serra d’Aire
As bicicletas eléctricas de uso partilhado de Torres Novas foram retiradas de circulação menos de um mês depois de terem sido colocadas ao serviço da população, muitas delas alvo de vandalismo e má utilização. E o que aconteceu em Torres Novas também já sucedeu noutras paragens. Para além de problemáticas como a violência doméstica, os abusos sexuais a menores ou os maus-tratos a idosos, temos agora um novo fenómeno a ter em conta: as sevícias praticadas sobre inocentes máquinas de duas rodas e um selim que não chateiam ninguém.
Aqui está um bom exemplo para ilustrar a expressão “deitar pérolas a porcos”. Ainda há muita gente sem preparação para as modernices do século XXI - como essas coisas da mobilidade verde ou da partilha de bens públicos -, e que não consegue reprimir ou domesticar o troglodita que vive dentro de si. É gente que estaria mais bem enquadrada nos tempos em que os jumentos e outras cavalgaduras eram os meios de transporte por excelência e não se compraziam a maltratar meios de transporte alternativos por mero prazer.
O vereador da Câmara do Entroncamento eleito pelo Chega teve os seus cinco minutos de fama a que toda a gente tem direito num dos programas mais vistos da televisão portuguesa, conduzido pelo humorista Ricardo Araújo Pereira. E o mínimo que se pode dizer é: abençoado programa que nos permitiu conhecer algumas das convicções do autarca Luís Forinho. A propósito do chumbo, pela oposição, do protocolo que permitiria à autarquia aceder a uns milhões de euros de fundos comunitários para construir habitação a preços acessíveis, a SIC foi ao Entroncamento fazer uma reportagem sobre o assunto e o autarca disse alto e em bom som que era contra essa coisa de se construir casas com dinheiros públicos para se arrendar a custos controlados aos mais necessitados. Quem quer casa que trabalhe para a pagar pois foi o que ele fez.
O vereador Forinho justificou a sua posição dizendo que já há gente de mais de cinquenta nacionalidades a residir no Entroncamento e, vê bem o escândalo, para aí uns 20% dos alunos das escolas locais são estrangeiros. Assim ninguém se entende, realmente. É uma autêntica invasão que o autarca Forinho, qual cruzado medieval, quer ajudar a estancar em nome dos nossos valores civilizacionais. Como é óbvio, se constroem mais casas, mais gente vem para a cidade e, não tarda, o Entroncamento parece a assembleia geral das Nações Unidas.
Não sei se o slogan de campanha do candidato do Chega foi o estafado “O que é nacional é bom”, nem sei se o vereador Forinho (que entretanto se chateou com o partido) vai recandidatar-se nas próximas autárquicas, mas, a acontecer, espero que, para separar as águas, coloque no seu programa eleitoral a construção de muralhas, paliçadas e fossos com jacarés em volta da cidade para evitar visitas indesejadas. E, claro, acabar com essa coisa dos comboios, uma invenção demoníaca que tanto forasteiro levou para o Entroncamento no último século. Deixem lá o homem viver sossegado na sua terrinha.
Aceita um salamaleque do
Serafim das Neves