Opinião | 25-12-2023 11:24

O mito da “utilização pacífica” da energia nuclear

O texto apresentado a seguir integra um outro muito mais extenso em que se analisa a oposição à energia nuclear civil em vários países do mundo, o que conduziu ao impasse desta forma de energia a que se vem assistindo desde os anos 70 e 80 do Século XX. Trata-se de uma matéria nunca abordada com esta abrangência na bibliografia internacional.

O texto apresentado a seguir integra um outro muito mais extenso em que se analisa a oposição à energia nuclear civil em vários países do mundo (EUA, França, Alemanha, Suécia, Espanha, Áustria, Itália, Suíça, Portugal), o que conduziu ao impasse desta forma de energia a que se vem assistindo desde os anos 70 e 80 do Século XX. Trata-se de uma matéria nunca abordada com esta abrangência na bibliografia internacional.

O autor do texto colheu durante anos informação sobre o assunto em revistas de energia nuclear, algumas das quais não se eximiam a publicar os acidentes, as avarias, as dificuldades e erros tecnológicos, a substituição de partes fundamentais e de elevado custo dos reactores, além das acções de oposição às centrais nucleares..

Na parte agora apresentada, examina-se a ligação estreita entre o nuclear militar e o nuclear civil.

O Eng. Pedro Sampaio Nunes, em parceria com o Eng. Bruno Soares Gonçalves, escreveu na revista Ingenium nº 179 de Jan./Fev./Mar. de 2023 da Ordem dos Engenheiros, no artigo intitulado “Nuclear – A melhor opção para o ambiente, segurança e competitividade do país”, várias deturpações da História.

Em 1º lugar, afirma que «A produção de energia de fissão nuclear civil comercial iniciou-se em 1956 após o discurso de Eisenhower na ONU em 1953».

É certo que, nos EUA, a 1ª central nuclear exclusivamente comercial, Shippingport, arrancou a 18 de Dezembro de 1957. No entanto, a 1ª central nuclear ligada à rede eléctrica foi a de Obninsk, na União Soviética, em 27 de Junho de 1954, apresentada como tendo apenas a função de produção de energia eléctrica. A URSS há muito vinha defendendo a "utilização pacífica da energia nuclear" e o Governo Soviético fazia gala nessa primeira aplicação, que não teria outra função a não ser a civil. Muitos Partidos Comunistas defendiam essa utilização, em parte na senda das ideias pacifistas dos cientistas franceses da família Curie, investigadores no domínio da radioactividade, Prémios Nobel da Física e da Química, e de muitos outros cientistas por todo o mundo ocidental.

Em 1942, foi construído em Chicago o primeiro reactor nuclear, então designado por pilha (pile), com direcção de Enrico Fermi, a urânio natural e grafite, o qual funcionou durante alguns minutos. Em 1943, em Oak Ridge, nos EUA, foi construído um reactor a urânio natural e grafite para investigação, o qual funcionou até 1963.

Em 03 de Setembro de 1948, foi gerada energia eléctrica no reactor de Oak Ridge, mas sem ligação à rede eléctrica, pois o objectivo principal era o militar: produção de plutónio para a bomba atómica. Em 20 de Dezembro de 1951, arrancou o EBR-1, um reactor chamado "breeder" a plutónio, que é fácil perceber que tinha apenas fim militar.

No Reino Unido, também empenhado no programa nuclear militar, arrancou o reactor de Calder Hall, ligado à rede eléctrica em 1 de Outubro de 1956, mas tendo também objectivos militares. A central arrancou com um reactor, ao qual foram acrescentados mais três em 1957, 1958 e 1959. Todavia, terá sido a central de Chapelcross, com quatro reactores, que arrancou em 1959, o principal fornecedor de material para o programa militar deste país, primeiro plutónio para a bomba atómica, e, depois, trício, para a bomba de hidrogénio.

A energia nuclear dita "pacífica", esteve sempre ligada, desde o início, à produção da bomba atómica. Tanto assim, que foram os países pioneiros no desenvolvimento da bomba atómica, EUA, União Soviética, Reino Unido e França, os primeiros a instalar reactores nucleares para produção de energia eléctrica e foram os reactores utilizados nos submarinos, os PWR (pressurized water reactors, a urânio enriquecido) de menores dimensões para poderem ser usados naquelas embarcações, que se impuseram aos outros tipos de reactores, a urânio natural.

Quer dizer, a investigação realizada para fins militares foi, só algum tempo depois, utilizada para a produção de energia eléctrica. Até no tipo de reactor que acabou por vingar.

Apesar das declarações de Eisenhower, dos dirigentes soviéticos e de outros dirigentes, a “energia nuclear pacífica” serviu sempre de cobertura dos fins militares, sendo evidente que o plutónio resultante da reacção de cisão, depois de o combustível irradiado ser sujeito à operação chamada de reprocessamento, separando aquele elemento do urânio não utilizado e dos produtos altamentes radioactivos resultantes da reacção – é utilizado no fabrico de bombas. O facto é que durante muitos anos as potências referidas foram fabricando bombas que ensaiavam em diversas partes do mundo. Os EUA no seu território e nas Ilhas Marshall no Pacífico, a União Soviética no Cazaquistão, a França no Sahara da Argélia, nos atols de Moruroa e Fangataufa, o Reino Unido nas Ilhas Montebello no Pacífico, na zona da Austrália, etc. E alguns países não se coibiam de lançar produtos altamente radioactivos nas águas territoriais de outros países, como fez o Reino Unido durante anos na Fossa da Nazaré, nas águas territoriais portuguesas. O comandante Costeau denunciou essa situação numa zona que abrangia desde a Galiza aos Açores.

O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e o seu incumprimento

A certa altura, por grandes pressões da opinião pública de muitos países, com protestos contra as experiências com bombas e na sequência das negociações decorrentes da “coexistência pacífica” em ambiente de “Guerra Fria”, os países nucleares tiveram de refrear essas acções e estabeleceram acordos para limitação do armamento nuclear e, numa orientação de “não proliferação nuclear”, impedir que outros países acedessem à tecnologia e pudessem dispor de plutónio ou trìcio para a produção de armas. Assim, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), uma organização das Nações Unidas, com sede em Viena, passou a realizar missões periódicas a centrais e outras instalações nucleares, como laboratórios e centros de investigação, para fiscalizar a sua actividade e contabilizar os materiais radioactivos e as respectivas matérias primas.

No entanto, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e outros não impediram que a Índia, o Paquistão, Israel, Coreia do Norte e outros países que já não as possuem (?) – Bielorússia, Cazaquistão, Ucrânia e África do Sul - conseguissem fabricar ou apenas possuir bombas atómicas e de hidrogénio. A Índia, que possui desde há muito uma escola notável de físicos, conseguiu mesmo construir um tipo de reactor nuclear desenvolvido pelo Canadá, a urãnio natural, arrefecido a água pesada, o reactor designado por CANDU. Sabem os técnicos de energia nuclear que este tipo de reactor, cuja tecnologia é mais fácil de absorver por um país de menor nível científico e tecnológico, facilita, ao mesmo tempo, a utilização do plutónio para a produção de armamento.


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