Opinião | 28-12-2023 07:00

Um elogio ao Pedro Ribeiro por causa do desperdício e dos telemóveis

Pedro Ribeiro publica regularmente informação que é o espelho do seu trabalho diário como autarca. Este ano fez figura a nível nacional implementando duas medidas que dizem bem da importância para um concelho quando o presidente da câmara sabe o que quer e o que faz.

Esta semana estive quase a dar este espaço ao presidente da Câmara de Sardoal por causa da clarividência e da frontalidade com que escreveu um texto numa página pessoal numa rede social. Não é normal, diria que é caso único na região, ler um autarca de peso a dizer mal do sistema e a apontar o dedo aos colegas sem se refugiar em palavras mansas.
Foi o texto de Miguel Borges que me levou a escrever o texto de última página que fecha o ano e que é um elogio ao Pedro Ribeiro, presidente da Câmara de Almeirim, que a 10 de Dezembro me convidou para fazer parte de um grupo também nas redes sociais. Só passaram duas semanas e tudo o que eu já sabia está espelhado nos textos e na importância da informação que o autarca de Almeirim partilha todos os dias para dar testemunho do seu trabalho.
Falo de dois casos que para mim são os mais importantes e que a nível nacional não têm paralelo. As escolas de Almeirim começaram a servir sopa feita de talos e cascas de legumes, numa clara demonstração de como se deve combater o desperdício e valorizar os alimentos no seu todo; noutro caso, não menos importante e desafiador, a implementação com sucesso da proibição do uso de telemóveis nas aulas. O maior elogio que posso fazer ao Pedro Ribeiro é publicar aqui um texto que guardo no meu computador, e que não fosse este caso acabaria no rol dos esquecidos, como muitos outros.
O jornalista e académico uruguaio Leonardo Haberkorn, desistiu de continuar a dar aulas no curso de "Comunicação" na Universidade ORT de Montevideu, através desta carta "Depois de muitos anos como professor universitário, hoje dei aula na faculdade pela última vez. Estou cansado de lutar contra telemóveis, WhatsApp e Facebook. Eles venceram-me. Desisto. Atiro a toalha ao chão. Cansei-me de falar de assuntos pelos quais sou apaixonado, para rapazes e raparigas que não conseguem tirar os olhos de um telemóvel que não pára de receber selfies.
É verdade que nem todos são assim, mas há cada vez mais a ficar assim. Até há três ou quatro anos, o apelo para deixar o telemóvel de lado por 90 minutos, nem que fosse só para não ser desrespeitoso, ainda teve algum efeito. Já não o está a ter. Pode ser que seja eu que me tenha desgastado demais neste combate, ou que esteja a fazer algo de errado. Mas uma coisa é certa: muitos desses miúdos não têm consciência do quão ofensivo é, e o quanto magoa o que eles fazem. Além disso, está cada vez mais difícil explicar como funciona o jornalismo, a pessoas que não o consomem, nem lhes faz diferença estar informado ou não.
Esta semana na aula saiu o tema Venezuela. Apenas uma estudante entre 20 conseguiu explicar o básico do conflito. O básico. O resto não fazia a mínima ideia. Perguntei se eles sabiam que Uruguai estava no meio dessa tempestade. Obviamente, ninguém sabia. Perguntei-lhes se eles sabiam quem é o "Luís Almagro". Silêncio. Entre as "cansadas" do fundo da sala, uma única miúda apenas balbuciou: "Não era o Chanceler?". O que está a acontecer na Síria? Novamente silêncio. Qual partido é mais liberal, ou está mais à esquerda nos Estados Unidos? Democratas ou Republicanos? Silêncio. Sabem quem é o Vargas Llosa? "Sim! Sim!" Alguém leu algum dos seus livros? "Não, nenhum". Lamento que os jovens não consigam libertar-se do telemóvel, nem mesmo na aula. Conectar pessoas tão desinformadas com o jornalismo, é complicado.
É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais.
Num exercício em que os alunos tinham de sair para encontrar uma notícia na rua, uma estudante voltou com a notícia de que ainda se vendem jornais e revistas na rua.
Chega uma altura em que ser jornalista joga contra si mesmo. Porque nós somos ensinados a colocarmo-nos no lugar do outro, a cultivar empatia como ferramenta básica de trabalho.
E então vemos que esses miúdos - que continuam a ter a inteligência, a simpatia e o calor de sempre - foram enganados, a culpa não é só deles. A incultura, o desinteresse e o alheamento, não lhes nasceu do nada.
Foram-lhes matando a curiosidade, e cada professor que deixou de lhes corrigir os erros ortográficos, lhes estava a ensinar que tudo vai dar mais ou menos ao mesmo.
Então, quando tu entendes que eles também são vítimas, quase sem perceber vais baixando a guarda. E aí o mau acaba sendo classificado como medíocre; o medíocre passa por bom; e o bom, nas poucas vezes que chega, celebra-se como se fosse brilhante. Não quero fazer parte desse círculo perverso. Nunca fui assim e nem serei. O que eu faço, gosto de fazer direito, ou o melhor possível, e não suporto o desinteresse a cada pergunta que faço, respondida invariavelmente com o silêncio. Silêncio! Silêncio! Silêncio!
Eles queriam que a aula acabasse.
Eu também".

JAE.

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