Opinião | 03-01-2024 15:00

A Renova quer ser dona da nascente do Almonda e das muralhas da cidade

A Renova quer privatizar a nascente do Almonda. Um dia destes vai querer gerir as muralhas do castelo de Torres Novas. Quem sabe onde é que isto vai parar.

A nascente do Almonda em Torres Novas um dia destes vai ser notícia na CNN, no The New York Times, no El País, ou numa qualquer empresa de notícias que espelham os maiores fenómenos políticos, culturais e económicos que acontecem pelo mundo. A Renova é uma grande empresa, com dimensão internacional, que vive em grande parte da água da nascente do rio. A gruta da nascente do rio Almonda localiza-se nas freguesias de Zibreira e Pedrógão. Desenvolve-se ao longo de mais de 15 quilómetros e é constituída por um verdadeiro santuário da espeleologia nacional já que, no seu conjunto, representa a mais extensa rede cársica actualmente conhecida em Portugal. Compõe-se de várias ribeiras subterrâneas que dão origem à nascente do rio Almonda.
É este património que a administração da Renova quer que seja privatizado, em nome dos interesses de uma fábrica, em nome dos interesses de uma família, contra todas as regras de um país livre e democrático, contra todos os princípios éticos, contra todos os cidadãos de Torres Novas, do concelho e da região; um verdadeiro desafio à democracia e à resiliência de um povo.
É curioso que sejam só os partidos menos representativos nos órgãos autárquicos a manifestarem-se contra este atentado a um dos patrimónios mais importantes do concelho. O actual presidente da câmara, Pedro Ferreira, não tem razões para dormir descansado, uma vez que está a deixar-se manobrar por interesses que contradizem tudo aquilo que é a sua postura como autarca e a seriedade que todos lhe reconhecemos. Se a nascente do Almonda não for um santuário que os Torrejanos, e todos os homens livres do mundo, possam visitar e fruir, e for vedada pela família que vive dos rendimentos da Renova, quem sabe um dia destes também vai querer as muralhas da cidade, e ninguém terá razões para o impedir porque passamos de pessoas a aves de rapina.

Convite da Renova para visitar nascente do Almonda considerado arrogante e inaceitável

Partidos da esquerda na Assembleia Municipal de Torres Novas entendem que o convite demonstra mais uma tentativa de a empresa se mostrar dona da nascente e defendem que deve ser rejeitado.

O Bloco de Esquerda (BE) e a CDU, dois dos partidos com assento na Assembleia Municipal de Torres Novas, consideraram na última sessão que o convite feito pela Renova - Fábrica de Papel do Almonda para os autarcas visitarem os trabalhos de construção de um passadiço que a empresa está a efectuar junto à nascente do rio Almonda é “envenenado” e demonstra uma atitude “arrogante e prepotente”. O livre acesso à nascente não é possível há vários anos desde que a empresa instalou vedações metálicas no local.
Na sua intervenção, Rui Alves Vieira (BE), destacou que o convite feito pela fábrica instalada na freguesia da Zibreira não é nenhuma “cortesia” mas um “convite envenenado” que a assembleia municipal não pode nem deve aceitar. A sua aceitação, prosseguiu, “pressupõe o sancionamento da câmara municipal à pretensão da Renova de se assumir plenamente como proprietária da nascente do rio Almonda contrariando todos os pareceres já emitidos sobre esta matéria pelo Governo, pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), pela comissão europeia e por esta assembleia municipal”.
No mesmo sentido foi a CDU, que pela voz de Júlio Costa declarou que “o passadiço metálico que a Renova mandou construir junto à nascente do Almonda demonstra, uma vez mais, a tentativa daquela empresa de se assenhorear do local, mesmo depois de serem conhecidos os pareceres técnicos e jurídicos da tutela (APA) que vão claramente em sentido contrário”. Para a CDU este “comportamento arrogante e prepotente de voltar a colocar a autarquia perante factos consumados deve ser condenado”. Além disso, sublinhou, “basta ir ao local para constatar que a estrutura invade, pelo menos em parte, a faixa do domínio hídrico público”.
Por sua vez, o presidente da Assembleia Municipal de Torres Novas, José Trincão Marques lembrou que em 2022 aquele órgão deliberou sobre uma recomendação a exigir que o município se deve empenhar na requalificação da nascente do rio Almonda, o que diz estar a ser cumprido. O município, salientou, já pavimentou a margem esquerda do rio, que era um dos pontos da recomendação e tem estado empenhado na negociação para a retirada da vedação metálica que impede o livre e público acesso à nascente e criação de condições para a fruição visual daquele local de “importância ecológica” e “arqueológica”. José Trincão Marques lamentou ainda a “partidarização deste assunto” que, considerou, pode “prejudicar uma boa solução”.
A Renova, recorde-se, anunciou no início de Dezembro, em carta enviada à assembleia municipal, a construção de um caminho para tornar mais acessível a visitação à nascente do rio Almonda. Este ano a Renova apresentou queixa contra uma dúzia de cidadãos que decidiram passar o Dia da Espiga junto à nascente.

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