Opinião | 08-03-2024 23:13

"SERRAÇÃO DAS VELHAS" Festividade Cíclica em Ortiga

"SERRAÇÃO DAS VELHAS" Festividade Cíclica em Ortiga

Em Ortiga a “Serração das Velhas” adquire na sua plenitude, até pela envolvência da comunidade, uma perspectiva muito nobre, pois toda a função aponta para, em festa, se celebrar a Vida e tal acontece todos os anos na noite da quarta 4ª feira, das sete que constituem o período da Quaresma.

A “Serração das Velhas” é manifestação popular que, desde há muitos séculos, teve e ainda tem lugar de destaque no seio de diversas comunidades tanto em território nacional como em alguns países da Europa e no Brasil.

São diversas as leituras interpretativas feitas por insignes investigadores nacionais, como Ernesto Veiga de Oliveira e Aurélio Lopes e estrangeiros, merecendo de entre estes o brasileiro Luís da Câmara Cascudo, uma referência especial pelos excelentes trabalhos realizados sobre o sentido desta tradicional manifestação popular.

Nuns casos é-nos apresentada como um evento em que a “Velha”, em abstracto, simboliza a imagem negra do Inverno prestes a findar. Noutras comunidades, eram e são as “Velhas”, em concreto, escolhidas pelos membros da comunidade para achincalhar e vilipendiar, fazendo-lhes lembrar a proximidade da morte enfim, apoucar numa perspectiva de ajuste de contas, em função do modo de ser pouco sociável ou por qualquer outro motivo imputado à “Velha”, pela respectiva comunidade local. Bastas vezes, tais situações geravam e geram, como é natural, reacções menos positivas e até agressivas por parte da “Velha serrada” ou de quem com ela coabita.


Em Ortiga, pelo contrário, a “Serração das Velhas” adquire na sua plenitude, até pela envolvência da comunidade, uma perspectiva muito nobre, pois toda a função aponta para, em festa, se Celebrar a Vida e tal acontece todos os anos na noite da quarta 4ª feira, das sete que constituem o período da Quaresma. Desconhecendo-se a sua origem no tempo, consiste a tradição na prática de ritual dirigido a cada uma das mulheres, que adquiriu ou viu reforçada a sua condição de avó, no decurso do ano anterior, tendo por esse facto obtido a condição de “Velha a serrar”.

Viveu-se essa noite de 4ª feira, no passado dia 06 de Março, com imensa alegria por toda a comunidade e foram serradas três “Velhas”.


O ritual contempla dois momentos. Num primeiro momento, todo o grupo, constituído unicamente por elementos do sexo masculino, simula, teatralizando na rua, frente à residência da “Velha” , o acto de serrar uma árvore, com o som a ser produzido por uma “serra”, feita de madeira, actuando sobre um “cortiço”, artefacto este que, devido à sua forma, aumenta o som produzido e no silêncio da noite lhe dá aquela profunda sonoridade que toca a alma de qualquer humano.

Logo de seguida, os elementos do grupo declamam os versos concebidos para o efeito dirigidos à “Velha” avó, envolvendo bastas vezes também o avô e com referências directas à felicidade que se deseja venha a privilegiar o neto ou a neta ao longo da Vida.

Termina este ato, com o forte som da “serra” sobre o cortiço e uma tremenda ladainha de lamentos e choro interpretada por todos os elementos do grupo, em função da velhice dos avós, mas em manifesto ambiente de festa, pela Renovação da Vida a que os mesmos deram origem.

Tudo isto acontece, sem que da casa a cuja ocupante se dirigem venha qualquer som ou luz.

Terminada a ladainha , então sim, os ocupantes da casa ligam a(s) luz(es), saúdam todo o grupo e abrem a porta da casa para que todos entrem e acedam à partilha da comida e da bebida colocadas na mesa e assim tem início o segundo momento.
Este segundo momento é de alegre convívio e um excelente reforço do espírito de corpo que caracteriza a comunidade ortiguense. Trata-se de uma tradição que toca a todas e a todos por igual, independentemente da sua condição social, económica ou ideológica. Cada uma das “Velhas serradas põe a mesa” de acordo com as suas possibilidades e todos isso respeitam e agradecem na despedida.
Para memória futura, como prova da realização do ritual e de presença, é deixada a “serra” utilizada sobre o cortiço na “Serração da Velha”, assinada por todos os elementos do grupo e documento escrito com as Quadras declamadas dirigidas ao neto ou à neta e a Cantoria, esta composta pelas quadras dirigidas aos avós.

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