Opinião | 20-03-2024 21:00

Acabar com a censura à produção artística expressa em boletins de voto anulados era uma boa maneira de celebrar os 50 anos do 25 de Abril

Emails do outro mundo

Imarcescível Serafim das Neves

Imarcescível Serafim das Neves
A participação nas eleições de domingo foi muito celebrada. A taxa de abstenção foi das mais baixas dos últimos trinta anos e nunca houve tanta gente a votar porque também nunca houve tanta gente inscrita nos cadernos eleitorais.
Dos nove milhões e quase trezentos mil eleitores registados votaram seis milhões e um pouco mais de cento e quarenta mil. Nos últimos dias foi dada toda a atenção aos votos nos partidos e coligações, mas quase não se falou da coligação que a mim sempre me fascina que é a dos brancos e nulos.
A nível nacional houve 87.957 eleitores que entregaram o boletim em branco e 67.349 que o inutilizaram, das mais diversas maneiras, antes de o entregar, fosse com cruzinhas em todos os quadradinhos, desenhos e frases obscenas ou quadras de mal dizer. Mais de 155 mil, no total. Dava para eleger seis deputados aqui por Santarém, por exemplo.
Os votos em branco, presumo eu, são de eleitores com pouco tempo disponível para fazer a cruzinha num quadradinho. Votam a correr, digamos assim, ou porque têm o almoço ao lume ou porque têm urgência em chegar a actividades mais agradáveis.
Recebem o boletim de voto e a caminho da câmara de voto já vão a dobrá-lo em quatro para não perderem tempo. Afastam a cortina e numa fracção de segundo estão de volta ao local de partida. Se houvesse limite de velocidade de certeza que eram multados.
Mas percebe-se. Ir votar também pode ser uma boa desculpa para algumas escapadinhas conjugais, por exemplo. Ou para escapadinhas familiares, em alturas em que o bebé chora, os sogros estão de visita ou outra coisa qualquer.
Quanto aos eleitores que escrevem ou desenham no boletim de voto são aqueles a que chamo os eleitores artísticos. Poetas, desenhadores, caricaturistas, cartunistas, ilustradores e criativos em geral.
Cinquenta anos depois do 25 de Abril já vai sendo tempo de revelar ao país essa criatividade expressa ao longo de todas as eleições. Não sei porque há tanto secretismo à volta disso. Que raio de censura é esta que nos impede de apreciar o sentimento artístico eleitoral do povo?
No distrito de Santarém houve 3.868 eleitores apressados, que mal tiveram tempo para dobrar o papel em branco e metê-lo na urna. E 2.939 eleitores artísticos. Dos tais que desenham e escrevem. O que eu não dava para ver aquela produção toda. E não serei só eu. Porque não um concurso para eleger o voto mais imaginativo, o voto com a melhor quadra; com a melhor poesia; a melhor “boca,” o desabafo mais original??
As televisões podiam promover um “got talent voter”, o eleitor mais talentoso. Um “Quem quer casar com o eleitor?”. A Fundação Gulbenkian podia atribuir uma bolsa ao melhor ilustrador de boletins de voto. A Editora Rosmaninho, aqui do jornal, não desdenharia publicar uma colectânea da melhor poesia fescenina expressa em boletim de voto. Fica o desafio.
Um abraço democrático
Manuel Serra d’Aire

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