Opinião | 02-05-2024 07:00

A minha primeira vez...e a última

Dentro da sede do Partido Comunista Português (PCP) o gajo, o sindicalista, o príapo, o lambe cus, o que nunca trabalhou a não ser por conta dos sindicatos e das avenças da autarquia, não se atrevia a bater mas ameaçava o camarada com quantos caninos tinha na boca suja de lamber cigarros.

A minha primeira vez foi num edifício perto da minha casa de família, onde os sábios se reuniam trimestralmente para discutirem quem fazia amor com quem, ou, ao contrário, quem eram os sacrificados no meio da luta fratricida do amor. O tipo que tinha uma foice na mão e um martelo na cabeça, era sempre o centro das atenções quando lhe interessava. O encontro tinha sempre poucas mulheres, o amor entre os homens estava ainda na moda, embora as mulheres começassem entretanto a disputar o seu lugar na vida e na organização de vida dos filhos de Eva. A minha primeira vez foi quando o gajo discutia o sexo dos anjos com outro camarada e, de repente, embora a diferença de idades fosse significativa, talvez uma diferença igual à de pai para filho, o sebento trocou a discussão sobre uma matéria de que já não me lembro (mas não era de certeza se a melhor posição para o sexo é por cima, por baixo ou por trás), e começou aos gritos, gesticulando de pé no meio da sala que cheirava a perfume barato (ou era a mofo? já não me lembro) mas não era um prostíbulo, era a sede de um partido político. Aos gritinhos de garganta afinada, esteve uns bons cinco minutos aos berros: "anda lá para fora que eu dou-te um murro nos cornos, vá anda, se é assim que queres resolver as coisas porque não te levantas seu merdas". O camarada que estava a ser desafiado pornograficamente por dá cá aquela palha, e que era para mim um exemplo como homem, pai de família e político, nem levantava os olhos do chão como se o soalho da casa fosse a página de um livro de remissões. Dentro da sede do Partido Comunista Português (PCP) o gajo, o sindicalista, o príapo, o lambe cus, o que nunca trabalhou a não ser por conta dos sindicatos e das avenças da autarquia, não se atrevia a bater mas ameaçava o camarada com quantos caninos tinha na boca suja de lamber cigarros. Foi nesse dia que deixei de comparecer às reuniões dos camaradas que me tinham conquistado pelo coração, pela acção, pelo exemplo e por tudo aquilo que sempre achei e acho que eram os valores mais altos da democracia, embora aqui a palavra humanidade talvez se ajustasse melhor. Daquela reunião de preparação de uma sessão de assembleia municipal parecia que ia sair a decisão de mandar abaixo a Igreja do Senhor do Bonfim ou da Nossa Senhora do Pranto. Nada disso; era um assunto do género; isto não tem muita importância mas ou é a minha opinião que vale ou então põe-te no teu lugar, e se não pões tens que te pôr de cócoras e calares o bico ou vamos lá fora resolver as coisas ao murro.
Foi a primeira vez que tive a certeza que nunca ia militar num partido político. O PCP tinha, e ainda tem, a fama de ser um partido de grandes homens, de grandes lutas e de grandes liberdades. Mentira. Vê-se pelo destino que leva. Tirando as honrosas excepções, sempre foi um partido de um homem só, como é hoje o Chega, que sabia organizar festas e comissões e copiava da Igreja a forma de atrair fiéis que era expor a Cruz e nunca falar da realidade que levou a que aquela imagem seja a mais conhecida do reino dos fiéis.

Esta edição de O MIRANTE é maioritariamente dedicada aos 50 anos do 25 de Abril, como já foi em boa parte a edição anterior. Fomos todos para a rua no dia 25 de Abril e não gozámos o feriado para agora podermos escrever e publicar as fotos do dia que assinala o meio centenário da Revolução dos Cravos. Só O MIRANTE podia ser a voz das populações que homenagearam e valorizaram as conquistas do 25 de Abril neste meio século de democracia. A política local já não é o que era dantes, mas ainda há muita gente que faz a diferença. Diabos como aquele comunista que me abriu os olhos para me mostrar como os partidos políticos são por dentro é o que continua a não faltar por aí. Estejamos atentos e militantes porque lutar pela liberdade e pelos direitos humanos só é possível longe dos políticos de carreira, bem longe daqueles que nunca fizeram nada na vida mas sabem onde é que o sistema democrático falha e disso se aproveitam para viverem como monarcas, embora já tenham nascido numa República. JAE

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