O SNS comigo
Uma crónica que ilustra o estado do SNS, contada por quem assistiu a tudo na primeira fila, e que foi passada entre Abrantes e Santarém.
Há uns dias atrás, o meu pai com 86 anos caiu da cama e fracturou o fémur. Salvaguardado o sofrimento do próprio e da família, nada de mais: igual a tantas histórias de velhotes que caem e “partem uma perna”. Histórias comuns, mas tristes e dramáticas, pronunciadoras, muitas vezes e em vetustas idades, do ocaso da vida.
O que se passou a partir da queda é que ilustra, asperamente, o estado do SNS. Portanto, esta narrativa não me foi contada por ninguém, nem resulta do “diz-que-disse”. Assisti a tudo na primeira fila.
Na alvorada de uma quinta-feira, tive então de chamar o 112 para acudir ao meu pai. Os bombeiros chegaram céleres e foram extremamente eficazes e atenciosos. Não se limitaram a ser profissionais, foram também humanos.
Após terem colocado o meu pai na ambulância, não sabiam para onde o transportar. Ah, é verdade, estávamos em plena cidade de Santarém. Um dos bombeiros informou-me então que tinha recebido ordens para levar o meu pai para o hospital de Abrantes. “Mas porquê?”, perguntei eu. Respondeu-me que lhe tinham explicado que de momento não existia urgência de ortopedia em Santarém. Bom, lá fui atrás da ambulância para Abrantes.
Em Abrantes fizeram-se todos os exames médicos necessários e o diagnóstico foi a tal fractura com necessidade de cirurgia. Quando ao início da tarde me preparava para regressar a Santarém, para depois voltar a Abrantes com roupa e o “necessaire” de higiene do meu pai, uma funcionária comunicou-me que o meu pai, afinal, ia retornar a Santarém. Perante a minha cara de espanto – em bom português “cara de c…” -, questionou se eu não estava satisfeito de levar o meu pai para Santarém.
Respondi, esforçando-me para ser delicado, que já não estava a perceber nada. Esclareceu-me que o meu pai iria ser operado em Santarém e não em Abrantes. Mas então, porque raio é que foi para Abrantes?!? Encolheu os ombros com um sorriso.
Chegado a Santarém, o meu pai teve de repetir todos os exames que já tinha feito em Abrantes, porque os médicos de Santarém não conseguiram aceder ao sistema informático de Abrantes…
No final dessa quinta-feira, o meu irmão e eu fomos informados que o meu pai iria então ser sujeito a cirurgia…na quinta-feira da semana seguinte! Incrível! Como!? Pode repetir? Sim, sim, dentro de oito dias.
Que alternativa tínhamos? Aguentar com um falso sorriso nos lábios, mas com a alma despedaçada.
Entretanto, nesses dias no hospital, o meu pai contraiu uma pneumonia e receou-se que já não poderia ser operado. Por milagre e boa vontade de muitos no hospital, a cirurgia do meu pai aconteceu, não na quinta-feira seguinte, mas sim na terça-feira seguinte. Cinco dias depois da queda.
Percebi nesses dias que o hospital não possuía resguardos para as camas. Quando lhe retiraram a algália, o meu pai urinou-se todo, cama, pijama, lençóis e tudo. Teve mais de 50 minutos à espera de ser mudado. Foi quando o mudaram que uma enfermeira me informou da inexistência de resguardos em todo o hospital. Miséria…
O meu pai saiu numa quinta-feira directamente para uma clínica de recuperação. As diferenças são abissais, entre um hospital do SNS e o local onde se encontra neste momento. Para nossa desgraça e de todos aqueles que não têm hoje alternativa ao SNS. Nada tenho contra os trabalhadores do hospital, os quais, individualmente, sempre foram atenciosos e profissionais para com o meu pai.
Mas no global, só descansei mesmo quando o meu pai saiu do hospital. Ou se transforma o SNS num sistema nacional de saúde, ou a degradação continua. O problema não é dinheiro, mas sim o dogmatismo existente.
P.N.Pimenta Braz