Opinião | 30-05-2024 07:00

A Taylor Swift, a Gabel, o Sporting, o Paul Theroux e o Cláudio Magris

Crónica de uma viagem às Figas de Ermelo, da minha ignorância sobre Taylor Swift e do grande Sporting que embora seja um clube de um bairro de Lisboa tem dimensão internacional e tem finalmente um treinador e um presidente que merecem respeito.

Um dia destes fui nas calmas fazer uma caminhada nas Figas de Ermelo. Cheguei ao fim do dia com o corpo num oito. O excesso de confiança foi quase fatal. Só três semanas depois me restabeleci. Mas estou pronto para outra devido à Gabel, que era a guia e deu-me uma lição de como se dirige um grupo de caminhantes todo o terreno, alguns mais maricas que outros, ou seja, menos preparados fisicamente. A Gabel é viajante profissional, vive de organizar viagens pelo mundo, e não precisou de grande esforço para me convencer que eu ia ter um dia bom. E tive. Aprendi uma lição ainda que com baba e ranho à mistura.
Desde esse dia que troco várias mensagens de correio com a Gabel, e preencho uma parte do meu cérebro que anda à procura de alimento para me fazer à estrada, e viajar aos 70 anos o que não viajei aos 40. Por causa dela lembrei-me de um dia em que respondi a um apelo de um proprietário de um turismo rural à beira de uma barragem e inscrevi como voluntário para a construção de uma casa. Dormi três noites sozinho numa pequena barraca no meio da floresta, isolado, sem água e sem luz, com um lençol de água à minha frente e um céu estrelado que quase me enfeitiçou. Na primeira noite, em vez de me sentir calmo no meio daquele ambiente silencioso, como na casa de um Deus, excitou-me e fiquei metade da noite sentado num tronco de árvore a fumar como um desalmado, a ler e a escrever à luz do telemóvel e até compus uma música de cor, tantas foram as vezes que fiz xixi para o meio das folhas secas que ainda tenho a melodia na cabeça. Foram as noites mais espectaculares dos últimos tempos. Saí de lá mestre de carpintaria e dono dos maiores segredos da arte das casas-de-banho secas e sanitas de compostagem. Vim para o caminho de regresso a casa com a certeza que ia voltar de três em três meses. Mentira. Nunca mais lá fui. O casal é cinco estrelas mas a comunicarem e a venderem o seu produto valem zero. Se dependessem do negócio, de certo que morriam à fome.
A Gabel podia ser minha sócia que, tenho a certeza, não só acrescentava valor como não ficava para trás na hora puxar a carroça. Nestas três semanas já me convenceu a andar de kayak nas rias baixas, na Galiza, e a fazer outras caminhadas por lugares que conheço de memória de leituras e de ouvir contar. Os outros amigos não dão notícias, não escrevem, não se manifestam, não dizem estamos aqui, não dão novidades sobre os encontros que promovem, enfim, são as melhores pessoas do mundo, mas falta-lhes o jeitinho para venderem o seu produto. Nada contra. Eu é que fico a perder porque sou daqueles que adora desafios. Se sou eu que tenho que dar o empurrão e tudo depender de mim, vou para uma cidade europeia, para o melhor hotel do Porto, ou fico na praia do Tejo, na Chamusca, vou à piscina, ao mar da Caparica, sempre perto de casa, onde tenho os livros, os jornais e as revistas por ler, e a charneca ou o bairro a dois passos, onde posso dar quilómetros à minha moto e desenferrujar as costas e as pernas.


Tenho quase a certeza que devo ser dos poucos portugueses que nunca tinha ouvido falar da Taylor Swift. Vi no feed do Instagram algumas pessoas amigas com os filhos sentados no Estádio da Luz mas não ouvi um único som do concerto. Já devo ter ouvido músicas dela, mas não sou capaz de lhe associar o nome. Há muitos anos que me dediquei a ouvir jazz e música clássica; o resto deixo para os outros. Também aprendi no passado domingo que sou cada vez mais sportinguista e menos clubista. Festejo as vitórias do meu clube em silêncio, e as derrotas também, mas acrescento-lhe um sorriso de leão. Aliás, só há pouco tempo me lembrei que os clubes de futebol são as únicas associações que juntam nas bancadas a família mais perigosa do mundo, porque é possível que eu, que sou um cidadão que paga os seus impostos e não anda a fugir da polícia, esteja a abraçar durante o festejo de um golo gatunos encartados, agressores perigosos, gente maluca que mata por dá cá aquela palha, que não sabe o que é a palavra de honra. Um dos gajos mais destituídos de juízo com quem falava com alguma assiduidade nas bancadas chegou a presidente do Sporting. E um dos comentadores de televisão que fala, ou falava, em nome do Sporting é um gajo execrável, com uma cabeça mais dura que uma bola de futebol, que sei bem do que falo porque levei umas boladas dele em tempos que já lá vão.
Não tenho vergonha de assumir a minha ignorância, nomeadamente quanto à existência da Taylor Swift; tenho argumentos para me defender. 99 por cento dos fãs de Taylor Swift que me chamariam atrasado mental se pudessem falar comigo, não sabem quem é Paulo Theroux, ou Cláudio Magris, duas das maiores estrelas do firmamento. E não gozo com quem paga fortunas para ir ver a Madonna ou a Taylor Swift por que eu também pagaria para poder trocar dois dedos de conversa numa biblioteca, ou numa esplanada de um café, com estas duas figuras maiores do nosso tempo. JAE.

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