Opinião | 04-07-2024 07:00

O diabo que nos trouxe a visita do Papa e o Estado corrupto que nos destrata

À sombra da visita do Papa, que veio a Portugal fazer a Igreja facturar 200 milhões de lucro, o Estado português amnistia criminosos condenados em tribunal com uma fita métrica que o Diabo usa para se rir da Justiça de Deus.

Um dos maiores dilemas da vida de um homem perfeccionista, no trabalho, é conseguir conjugar a sua capacidade de realização com as expectativas que criou nas pessoas que o rodeiam. Confesso que sou perfeccionista, embora moderado (que sei eu!), e tenho como defeito essa dúvida, que chega a ser tormento em certas alturas, sobre se estou a dar e a fazer o melhor que sei no meu trabalho. Com esta forma de ser, que acho que vem desde os meus 14 anos, quando me lembro de falar alto para não me esquecer do que prometia a mim mesmo, com esta mania de ser perfeccionista sou também muitas vezes escravo de trabalhos e de funções que bem poderia delegar já que, com mais ou menos jeitinho, o trabalho apareceria feito.
O problema é que ninguém nasce como gostaria de ser e os que nascem mais tarde ou mais cedo mudam de ideias e querem ser outra coisa diferente daquilo que são, e muitas vezes chegam à loucura que a fronteira entre o transtorno mental e a sanidade é mais pequena que a fita de medir o tamanho do nosso nariz.
Esta semana que passou foi das que senti mais essa sensação de que ando a trabalhar pouco para o que devia. Mas o problema é que o corpo já não aguenta os serões como dantes, quando metade das coisas importantes que tinha para resolver ficavam alinhavadas roubando duas horas ao sono de uma noite. Com o avançar da idade a coisa pia mais fino.
A Alice foi multada pelo Estado em 30 mil euros por estar a trabalhar sem licença, embora tivesse tudo tratado no sítio certo; só que os burocratas encontram sempre um defeito para prolongarem a sua importância na vida de quem precisa deles. Com a multa fecharam-lhe o negócio. A vida dela nunca mais foi a mesma. Perguntei-lhe se não tinha sido amnistiada com a visita do Papa e a resposta foi à ribatejana; o ca*alho é que fui. Foram os políticos que fizeram e fazem fortunas aproveitando a sua situação de privilégio por trabalharem para o Estado e para as suas próprias empresas, valendo-se da importância que têm no sistema; foram os pequenos criminosos que roubaram por esticão, que andaram bêbados na estrada, que desviaram dinheiro.
Recentemente o jornal Público trouxe para o debate a opinião do vice-presidente do Tribunal Constitucional que considera inválida a amnistia concedida com a vinda do Papa; e a razão mete-se pelos olhos dentro: viola o princípio da igualdade entre os cidadãos inscrito na lei fundamental. Era aqui que eu queria chegar; um pequeno empresário sofreu na pele a burocracia de um Estado corrupto e cheio de burocratas que nunca lhe facilitaram a vida para legalizar o seu negócio; ao fim de sete anos, quando precisaram de facturar para o Orçamento de Estado, os inspectores foram lá, aplicaram a multa, mataram o negócio e deram cabo da vida do empresário que hoje trabalha como assalariado para poder sobreviver aos 65 anos.
Entretanto, à sombra da vinda do Papa, que veio a Portugal fazer a Igreja facturar 200 milhões de lucro, o Estado português amnistia criminosos condenados em tribunal com uma fita métrica que o Diabo usa para se rir da Justiça de Deus. Quem está a pagar uma multa ao Estado não é amnistiado, mas quem roubou, usou esquemas fraudulentos para fazer fortuna, enganou o cidadão incauto, deu cabo da vida na estrada a não sei quantas centenas de pessoas, esses tiveram direito ao perdão divino do Estado governado por políticos que se protegem como lobos famintos no meio da estepe.
Ficava bem aqui uma conclusão, mas o texto vai longo. Que me desculpem a introdução mas precisava de desabafar. É uma chatice não ter quatro braços, o dia não ter 48 horas e, pior que tudo, saber que muitos dos livros que comprei e li jamais conseguirei reler e escrever sobre eles como gostava. O resto resolve-se: é a trabalhar que conseguimos realizar o impossível. JAE.

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