Opinião | 18-07-2024 07:00

O dia do adeus a Joaquim Botas Castanho

O dia do adeus a Joaquim Botas Castanho

Joaquim Botas Castanho soube sair a tempo da vida política; por isso deixou uma imagem de estadista que sempre lhe assentou bem, mesmo quando era apenas vereador e mais tarde vice-presidente da Câmara de Santarém.

Morreu Joaquim Botas Castanho. Soube da sua morte por uma mensagem da Joana enquanto descia a escadaria que dá acesso à praia de Cancela Velha um dos lugares mais bonitos do mundo para viver perto do mar. A minha primeira lembrança foi recordar Joaquim Botas Castanho a pescar, coisa que nunca fiz, mas ainda quero fazer quando me faltarem as pernas para descer escadas ou vencer distâncias.
Não preciso de consultar enciclopédias nem livros de frases feitas para elogiar a pessoa amiga e o político que foi Joaquim Botas Castanho. Há pessoas que nos marcam pelo exemplo, mesmo que nunca tenhamos sido amigos ou partilhado mais do que uma boa relação pessoal e respeito mútuo. Foi o caso. É impossível não referir que Joaquim Botas Castanho era um homem do PS, partido que em Santarém foi casota dos maiores sacanas que já conheci. Mas onde é que não há mosquitos se houver estábulos onde se faz criação de coelhos?
Lá para onde foi, e se me estiver a ler, Joaquim Botas Castanho não vai achar muita graça a esta crónica. No tempo em que nos conhecemos os relógios já estavam acertados pelo horário dos tempos de hoje. Uma boa parte da nossa vida política está nos antípodas daquilo que sonhamos. Quando lembrou, em entrevista a O MIRANTE, em Março de 2008, o assalto ao poder no PS escalabitano, que levou à queda do então presidente da câmara Miguel Noras e à ascensão de Rui Barreiro, já todos percebíamos que a reforma do Estado também ia ficar para as calendas gregas, e adivinhávamos o clima de greves absurdas que estão aí para confirmar o estado da Nação: greves dos funcionários da Justiça, dos guarda-rios, ASAE, polícias, guardas, professores, funcionários dos consulados, e mais do que desgraça as opções políticas na escolha de velhos do Restelo para dirigirem as nossas instituições. Joaquim Botas Castanho soube sair a tempo da vida política; por isso deixou uma imagem de estadista que sempre lhe assentou bem, mesmo quando era apenas vereador e mais tarde vice-presidente da Câmara de Santarém.
A última vez que nos vimos foi, muito recentemente, na Casa do Brasil onde lançámos dois livros. Esquecendo o tempo em que cimentámos a nossa relação pessoal, recordo com carinho a sua ajuda para organizarmos na sede do jornal um debate a pretexto da comemoração dos 500 anos do Brasil e do lançamento do livro "Carta de Pero Vaz de Caminha", numa edição da Guerra & Paz, que O MIRANTE patrocinou e que foi pretexto para uma conversa na nossa redacção com o jornalista do Expresso Henrique Monteiro, o embaixador Francisco Seixas da Costa e Manuel S. Fonseca, o editor.
Entre o tempo em que escrevi esta crónica e a data da sua publicação, o meu mergulho na praia e na paisagem marítima de Cancela Velha, e a morte de Joaquim Botas Castanho, passaram seis dias. Não alterei uma linha no texto que escrevi debaixo de um chapéu de sol com inveja de quem tem cu para ficar o dia inteiro na praia. Apaguei alguns lugares-comuns que sempre aparecem nos textos quando se escreve poesia com sentimento, mas só me lembro disso porque o compromisso com a escrita é não ser leviano nas críticas nem demasiado louvaminheiro nos elogios.
Volto à memória de Joaquim Botas Castanho quando falávamos do prazer da arte da pesca que obriga a um estilo de vida que não está ao alcance de toda a gente.
No regresso da praia encontrei o “Esmeralda” e o “Já estou aqui”, amarrados perto da margem. O sol ainda ia alto e eu tinha mais que fazer que ficar na praia preso ao adeus a Joaquim Botas Castanho. Levava um livro que não li, o cachimbo que não me apeteceu acender, e dois mergulhos na água meio choca quase que me adormeceram os miolos. Para não dizer mal da vida nem fazer a vontade ao sentimento de tristeza, que depois também vi espelhado nos barcos parados na margem, fui jantar a Vilamoura. O resto é o que quase todos já sabem, principalmente os que já viveram a noite nas Las Vegas portuguesa. JAE.

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