Opinião | 04-09-2024 21:00

A panela da vizinha, a pedra certificada e a criatividade sem par que deu origem a tantos festivais da mesma coisa em todo o Portugal

Emails do outro mundo

Coriáceo Serafim das Neves

Coriáceo Serafim das Neves
Começou ontem, 28 de Agosto, o Festival da Sopa da Pedra de Almeirim, e a coisa vai durar até um de Setembro. A sopa da pedra é aquela sopa com batata feijão e enchidos, onde se mete uma pedra, ou metia, porque agora já não deve ser permitido pelas regras europeias, não vá algum glutão partir os dentes a tentar mastigá-la, pensando que está a comer um naco de entremeada ou uma rodela de chouriço certificado, digamos assim.
Para sabermos se estamos a comer a verdadeira sopa da pedra em vez de imitações, ela até devia ser servida com um diploma a confirmar a sua autenticidade. Digo isto porque a câmara municipal se empenhou e conseguiu a classificação da mesma como Especialidade Tradicional Garantida na União Europeia. Um nome que só de escrever ou ler, dá fome.
É verdade que há restaurantes em todo o país que servem sopa da pedra, assim como servem, por exemplo, a francesinha que é do Porto ou os rojões do Minho. E até já há outros festivais como o de Almeirim, para glorificar a lendária sopa, que resultou do atrevimento de um frade que começou por pedir a uma generosa dona de casa que lhe emprestasse a panela, salvo seja, para fazer uma sopinha apenas com água e uma pedra, mas que acabou por a convencer a dar-lhe muito mais que a panela.
Em Portunhos, Cantanhede, o festival que se realiza em final de Maio e princípio de Junho, chama-se Mostra Gastronómica e, em vez de Sopa da Pedra, adoptou a designação de Sopas & Pedras, embora o que por lá se come seja, como é anunciado nos cartazes, sopa da pedra.
E se, em Almeirim, se afiança que foi ali que o frade atrevido se encontrou com a senhora do belo toucinho, em Portunhos afirma-se que só a riqueza das suas pedras permite fazer a melhor sopa de pedra de Portugal, da União Europeia e, quiçá, do Mundo. E temos que acreditar. Afinal a pedra daqueles lados, a de Ançã, que é mesmo ao lado de Portunhos, é certificada pela UNESCO.
Peço desde já desculpa a todos os festivais da sopa da pedra existentes em Portugal que eu não menciono neste e-mail. E muitos devem ser. Pelo menos, a julgar pela profusão de outras festas e festivais que se realizam em várias terras e, por vezes, ao mesmo tempo, todos eles originais e certificados, sejam do caracol, da flor, da febra, do rissol ou do biscoito.
A nossa criatividade é grande, mas há mais criativos no mundo. Lembro-me que há uns anos, um grupo de música holandês, Ferry van de Zaande & Veul Gère, gravou um vídeo com uma música, que não era mais que a garagem da vizinha do Quim Barreiros.
E até Beethoven, criou o segundo andamento da célebre Sonata Opus 13, conhecida por Pathetic (a que certas damas eruditas, no romance Os Maias, de Eça de Queirós, chamavam A Pateta), depois de ouvir a Mónica Sintra a cantar Na Brisa do Amor. Há quem diga que foi ao contrário, mas não acredito.
Um abraço certificado
Manuel Serra d’Aire

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