Opinião | 02-10-2024 20:18

Regresso à escola: cuidados a ter com a visão dos seus filhos

Regresso à escola: cuidados a ter com a visão dos seus filhos
Diogo Cavalheiro - Coordenador de Oftalmologia no Hospital CUF Santarém

Chegamos ao mês de Setembro e, por todo o país, milhares de crianças regressam à escola. Desde aquelas que agora iniciam o seu percurso escolar, até às que o vão terminar, no 12º ano, todas apresentam a ansiedade típica de quem começa mais uma etapa da vida.

Chegamos ao mês de Setembro e, por todo o país, milhares de crianças regressam à escola. Desde aquelas que agora iniciam o seu percurso escolar, até às que o vão terminar, no 12º ano, todas apresentam a ansiedade típica de quem começa mais uma etapa da vida.

Para além das habituais preocupações dos pais - escola nova, transportes, material escolar, entre outros - é frequente existirem dúvidas relativamente à saúde visual das crianças: quando é recomendada uma consulta médica de Oftalmologia? Que cuidados devem ter com o uso de ecrãs? Que cuidados são necessários na sala de aula?

Começando pela primeira questão: existe um amplo consenso dentro da comunidade oftalmológica que, mesmo não existindo qualquer suspeita de doença ou quaisquer queixas por parte da criança, a primeira consulta de Oftalmologia deve realizar-se entre os 3 e os 6 anos. Esta idade não é sugerida por acaso: existem várias doenças oftalmológicas que conduzem à ambliopia (o chamado “olho preguiçoso”), em que o desenvolvimento da visão de um dos olhos não se verifica, ou ocorre de forma mais lenta. Se a causa da ambliopia não for tratada antes dos 10 anos de idade, a criança corre o risco de ficar com a visão daquele olho comprometida para o resto da vida, sem hipótese de recuperação futura. Pelo contrário, se a ambliopia for detetada e tratada a tempo, a recuperação da visão pode ser total.

Entre as causas deste “olho preguiçoso”, temos algumas raras, como as cataratas congénitas (que existem desde o nascimento) ou as opacidades da córnea. Outras são mais frequentes, tais como o estrabismo (um olho que “entorta” para dentro ou para fora) ou graduações diferentes nos 2 olhos (anisometropia). São problemas que podem ser corrigidos, se forem detetados precocemente. Portanto, se o seu filho vai iniciar o primeiro ano de escolaridade e não foi observado, ainda, por um oftalmologista, está na altura de o fazer.

Foi precisamente para garantir uma entrada no novo ano letivo com a saúde em dia, e pela importância que a visão tem no desempenho escolar, que o Hospital CUF Santarém promoveu uma ação de rastreio oftalmológico e auditivo de regresso às aulas, dirigido às crianças e adolescentes da região, no passado dia 14 de setembro.

Outra questão bastante frequente é relativa ao lugar da criança na sala de aula: devo pedir ao professor para que o meu filho se sente mais à frente? E se ele usar óculos? Bom, se o oftalmologista verificar que a visão do seu filho atinge o valor esperado (100% em cada olho), mesmo que para tal necessite de utilizar óculos, não existe nenhuma razão oftalmológica para que se sente mais à frente na sala de aula. Uma visão de 100%, mesmo que exija óculos, significa que ele deverá conseguir ver bem o quadro mesmo nas filas de trás. Já se o seu filho tiver ambliopia, em especial se estiver a fazer tratamento para a mesma, aí poderá ser indicado sentar-se mais à frente, facilitando a leitura do quadro e, consequentemente, a participação na aula.

Por último, é inevitável abordarmos a polémica questão das tecnologias, isto é, a utilização, pelas crianças, de computadores, televisões, smartphones e tablets. Esta é uma questão relativamente recente (daí a inexistência de regras claras e sólidas), mas é importante falarmos sobre as potenciais implicações do uso de ecrãs na saúde das crianças, em particular, na saúde visual.

A primeira consequência da utilização de tecnologias pelas crianças é óbvia: o tempo passado a olhar para um ecrã não é passado a brincar com os amigos, a interagir com os pais ou com o mundo real. O desenvolvimento cognitivo, físico e visual de uma criança resulta desta interação com o mundo: o tocar, o cheirar, o provar. Todas aquelas “travessuras” que as crianças fazem - e que fazem os pais desesperar - são elementos de aprendizagem e, como tal, fundamentais. Tal não acontece num ecrã que cabe na palma da mão.

Por outro lado, os nossos olhos são elementos importantíssimos na regulação do nosso sono: os nossos ciclos circadianos resultam, entre outras coisas, da intensidade de luz que atinge a nossa retina e os fotorreceptores que aí se encontram. Vários estudos clínicos parecem demonstrar que crianças demasiado expostas a ecrãs têm significativas perturbações do sono, que podem afetar o seu desenvolvimento. Também por esse motivo, as crianças não devem utilizar tecnologias 1 hora antes de se deitarem e, idealmente, nem sequer levar o smartphone ou tablet para o quarto.

Um estudo publicado em 2021, na conceituada revista Lancet Digital Health, analisou todos os artigos científicos publicados sobre a relação entre o uso de tecnologias e o aparecimento e progressão da miopia em bebés, crianças e jovens adultos. Os dados parecem mostrar uma clara relação entre um maior número de horas de ecrã e o desenvolvimento da miopia.

A própria Organização Mundial da Saúde divulgou, em 2019, recomendações relativas ao uso de tecnologias por crianças, e não podiam ser mais claros: crianças até aos 2 anos de idade não devem ter qualquer exposição a smartphones, tablets, computadores ou televisões. Entre os 2 e os 4 anos essa exposição não deve ultrapassar 1 hora por dia (quanto menos, melhor). Outros estudos, ainda, apontam que aumentar o tempo passado ao ar livre (com luz solar) pode diminuir a progressão da miopia.

É inevitável que os nossos filhos utilizem ecrãs e tecnologias. A sua socialização e a obtenção de informação passará, cada vez mais, por estes instrumentos. Mas saber as consequências dessa utilização - e, sobretudo, do excesso de utilização - permitir-nos-á tomar decisões conscientes e esclarecidas, possibilitando uma educação harmoniosa e saudável dos nossos filhos.

Diogo Cavalheiro
Coordenador de Oftalmologia no Hospital CUF Santarém

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