Acervo literário de António Lobo Antunes foi projecto para uma Casa da Literatura em Torres Novas
No mandato de António Rodrigues a câmara de Torres Novas aprovou em 2008 a cedência de uma habitação de férias que tinha como contrapartida a cedência pelo escritor de um vasto acervo literário. A ideia não passou do papel.
O escritor António Lobo Antunes, ponderou a possibilidade de ter uma casa no concelho de Torres Novas, cedida pela câmara municipal, e chegou a deslocar-se ao concelho para a visitar, mas a ideia foi abandonada, sem que tenha sido divulgada qualquer explicação.
A minuta do protocolo de cedência da 'habitação de férias', foi aprovada a 31 de Janeiro de 2008, pelo executivo municipal, no decurso de uma reunião privada. O edifício que o escritor iria utilizar, seria o da antiga escola do primeiro ciclo do Almonda, após obras de reabilitação.
O período inicial de utilização seria de vinte anos, em regime de comodato e, em troca, o escritor cederia o seu acervo literário à autarquia, constituído pela biblioteca pessoal, incluindo primeiras edições de obras de sua autoria, manuscritos e objectos pessoais, fotografias, pinturas, bem como prémios e condecorações, para futura criação de um núcleo literário na cidade, denominado Casa da Literatura.
A única ligação conhecida, que o escritor tinha a Torres Novas, era o facto de o seu irmão, Pedro Lobo Antunes (falecido em Dezembro de 2013), ali residir na altura, e ser vereador na autarquia, que era presidida por António Rodrigues (PS).
“É do interesse do município de Torres Novas criar um espaço para conservação e divulgação do espólio de António Lobo Antunes, no âmbito da política de revitalização cultural consagrada nos projectos Cidade Criativa e Torres Novas.pt (ponte para todos), que passa, pela recolha, conservação e disponibilização ao público de novos acervos artísticos e literários de relevo”, podia ler-se na minuta do protocolo que António Lobo Antunes acabou por não assinar.
Reedição de biografia de António Lobo Antunes que todos vão querer ler
O escritor António Lobo Antunes, que esteve para inaugurar uma Casa da Literatura em Torres Novas, deixou de escrever por razões de saúde. A reedição de uma biografia de João Céu e Silva conta como o escritor ficou “Irreconhecivel”.
Há um livro que todos os portugueses vão querer ler, mais tarde ou mais cedo, que é a biografia de António Lobo Antunes (ALA), que João Céu e Silva acaba de reeditar com a chancela da Contraponto do grupo Bertrand. Exagero na generalização? Talvez. Mas arrisco o palpite. António Lobo Antunes deixa uma marca na literatura portuguesa que pode ser superior a tudo o que até agora se julgava. Muitos de nós não tivemos paciência para o ler como eventualmente merecia, mas ele nunca se cansou de escrever, e dizer, muitas vezes até de forma arrogante, que andava a escrever o que de melhor a literatura portuguesa já teve na sua história mais recente.
A reedição da biografia de António Lobo Antunes, escrita por João Céu e Silva, tem muitas novidades em relação à primeira edição, e a informação mais importante é a de dar conta que o escritor está demente e, logo, “irreconhecível”, como escreve o seu biógrafo situando-nos nos últimos dias do ano de 2023, depois do autor de “Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar” ter sofrido de uma pneumonia, que curou no hospital, quase passando incógnito durante o internamento. Mas o problema de saúde que o fez desinteressar da escrita já vinha desde o período do confinamento da pandemia da covid 19. O homem que vivia para escrever, e que sentia culpa quando não escrevia, como se lhe tivessem dado um dom e não o estivesse a transmitir, perdeu a noção do mundo que o rodeava; “Ele que fumava como se imitasse a respiração, agora nem sabia para que servia um cigarro, mesmo que, de muito em muito longe, levasse os dedos à boca num gesto sem propósito”.
Viajei com a biografia de ALA na mala e a presença do livro é quase um desassossego. Acabei de percorrer uma rua movimentada de uma grande cidade e de passar por um vendedor de rua que tinha “Memória de Elefante” no chão, entre dezenas de outros livros desinteressantes. Embora a minha relação com o dinheiro esteja numa boa fase (gasto dinheiro em livros sem querer saber se há amanhã), só precisei de gastar um euro e meio para comprar este exemplar em bom estado de conservação. Aqui onde estou é tudo barato, principalmente os livros em segunda mão. A epigrafe do livro é esta: “Há sempre uma abébia para dar de frosque, por isso aguentem-se à bronca. Sentença de Déde ao evadir-se da prisão”. “Memória de Elefante" é o primeiro romance de ALA, lançado em 1979, e a epígrafe parece ter sido escrita para lembrar a aventura dos reclusos que recentemente fugiram da cadeia de Alcoentre.
Na cidade do México, Rio de Janeiro, Santiago do Chile, Buenos Aires, Londres, Paris e Madrid, só para citar algumas das maiores cidades do mundo, é normal encontrar livros de Paulo Coelho nas ruas, livros baratos que na maioria dos casos custam menos que um galão e um pão com manteiga. António Lobo Antunes também começa a ser popular no estrangeiro, ao ponto dos seus livros começarem também a ser negócio para quem faz banca no chão e vive do que a rua lhe reserva. Foi hoje o caso. Precisava deste encontro para trocar a ida à praia por duas horas ao computador para alinhar estas palavras e escrever que João Céu e Silva tem nas bancas um livro biográfico que vai fazer história, um livro imperdível sobre uma alma atormentada que nos deu uma Biblioteca de Babel nos seus quase cinquenta anos de escrita, ao ponto de confessar que quando não estava a escrever se sentia culpado, como se lhe “tivessem dado uma coisa e não estivesse a transmiti-la”.
ALA foi sempre marcando pontos nas entrevistas que deu ao longo da sua vida. Há vários livros só de entrevistas assinados por diferentes autores, onde ele exercita esse dom de falar de si e da sua arte como poucos escritores o souberam fazer, mas nesta viagem com João Céu e Silva os tempos são outros, as falas retratam uma realidade onde já se pode fazer um retrato definitivo do escritor, embora correndo sempre o risco de o definitivo voltar a provisório devido à grandeza da sua Obra e do que vai deixar em testamento, para além do que se conhece.
António Lobo Antunes está vivo mas demente, a cabeça deu o berro, mas o que ele escreveu e disse ao biógrafo vai perdurar nos tempos que se vão estender por muitos e muitos anos.
O biógrafo diz que nas últimas sessões gravadas para este livro ficou com a sensação de que ele estava a fazer as últimas confissões ao mundo: “disse tudo sobre si e sobre os que ama; falou de quem ignora, respeita ou admira; benzeu e excomungou; desfez e elegeu o melhor e o pior dos homens e das mulheres que conheceu; definiu o bem e o mal sob o seu olhar; estruturou e desconstruiu factos aceites e memórias ditadas e, principalmente, foi o escritor cuja alma não se desliga já do corpo do homem”.
“Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes” é a narrativa do ocaso de um escritor, entrelaçado com a história de quatro décadas de uma revolucionária criação literária, que o tornou no principal autor vivo de língua portuguesa”. JAE.