Joaquim da Silva Cláudio: um homem sereno
Joaquim da Silva Cláudio está ligada à memória da Chamusca dos últimos quase cem anos
Viver um dia de cada vez é a máxima mais usada por quem, de tempos a tempos, recebe lições sobre a precariedade da vida. A maioria das vezes é quando ficamos doentes ou perdemos amigos ou familiares. É o caso. Morreu Joaquim da Silva Cláudio, um homem que me ensinou muita coisa do lado bom da vida. Com ele aprendi a falar sem palavras, a perceber sem ter que entender, a saber ouvir mais do que a falar. Como o conheci ainda criança, deixo para trás muito do que aprendi quando entrava na sua carrinha e íamos ao campo a pretexto de levar uns baldes para a vindima ou de dar apoio ao senhor Valério, seu principal colaborador durante uma vida.
Joaquim da Silva Cláudio foi sempre um homem à frente do seu tempo. Lembro-me dele em várias fases da vida e só guardo boas recordações. Estamos a falar de um tempo com cerca de sessenta invernos pelo meio, numa altura em que a palavra de um homem era muito mais importante que qualquer mensagem de telemóvel, missiva enviada por email ou certezas que temos hoje quando confiamos nas orientações do Google Maps. Uma vez, já com a vida a andar sem muletas e a casa comprada e habitada sem andaimes, precisei da sua ajuda e não tive que pedir duas vezes. Acho que nunca lhe agradeci devidamente. Nem acredito que ele guardasse a recordação mais do que o tempo que precisei para cumprir o prometido.
Como me ajudou a mim deve ter ajudado dezenas ou centenas de pessoas. Os seus olhos azuis e a sua postura tranquila e sempre serena, faziam dele uma das pessoas mais respeitadas da vila. Convivi muito com ele e com os seus melhores amigos, nomeadamente o mestre João da Silva, grande amigo também do Ricardo Salgado e do António Arrenega, mas a nossa diferença de idade só me permite contar que ele era para mim uma referência ética e moral. O resto tem pouco interesse porque este texto não pretende ser um ensaio sobre antropologia, mas sim uma opinião sobre uma pessoa amiga que nos deixou aos 95 anos.
Joaquim da Silva Cláudio está ligado à memória da Chamusca dos últimos quase cem anos como estarão para sempre Francisco Mascarenhas, Joaquim Antunes, António Vital, Joaquim Salvador, Manuel da Silva Santos, entre muitos outros da sua geração.
Dos que citei, nenhum tem nome de rua nem vai ter. É verdade que as ruas de uma pequena vila como a Chamusca não chegavam para dar nome a tanta gente boa e generosa, que, mesmo assim, uns gostavam mais do que outros, como é normal e humano. Por isso fica aqui este testemunho em papel, que um dia vai embrulhar castanhas, mas nem por isso deixará de fazer o seu caminho. JAE