Opinião | 05-12-2024 07:00

Ministra da Cultura esteve em Santarém mas não teve que prestar contas

Ministra da Cultura esteve em Santarém mas não teve que prestar contas

A ministra da cultura Dalila Rodrigues esteve em Santarém a acompanhar o primeiro-ministro Luís Montenegro mas chegou tão cedo que se passeou entre convidados como um escalabitano em dia de festa. Os jornalistas e os que fingem ser jornalistas ficaram todos nas covas; ninguém lhe perguntou que novidades é que ela tem para a capital do gótico.

Viver num meio pequeno parece uma desvantagem para quem nasceu numa grande cidade, mas para mim é um engano que sai caro. Sei do que falo porque tive a sorte, e ainda tenho, de viver os dois mundos nos últimos trinta anos depois de comprar casa numa grande cidade antes de me mudar para lá, embora nunca definitivamente. Uma das razões para gostar de viver num meio pequeno é conhecer-me melhor, sabendo que sou permanentemente observado e julgado. E nos meios pequenos as pessoas são tão afectuosas como podem ser cruéis; dificilmente existe o meio termo. Se uma pessoa vinga na vida e com isso a comunidade também ganha, por que ele sabe distribuir o que tem, seja em bens materiais ou simpatia e carinho, não há quem não o trate por primo, vizinho, amigo, entre outros mimos que a linguagem permite. Se a pessoa tem um azar e não vinga, faz má figura nos negócios ou tem uma família complicada, todos lhe chamam nomes feios ou dizem em jeito de desdém que deu o passo maior que a perna.
Conheço este desafio desde os meus catorze anos quando comecei a desenhar a minha vida futura no caminho que fazia sozinho da vila para casa, já noite alta, depois de ver televisão ou jogar bilhar na colectividade da terra. E já nessa altura ao ditado “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”, eu acrescentava o ditado: “sabendo do que te ocupas, saberei para onde vais”.
No dia em que reabriu a igreja de São João de Alporão, em Santarém, fui até ao local ver a festa mas não me misturei. Embora o espaço em frente da igreja seja pequeno, chegou para passar despercebido, encostado a uma parede. Pude assim observar sem ser observado até me fazer ao caminho de volta à sede do jornal. Mas só saí depois da cerimónia já ir a meio dentro da igreja, que encheu até às costuras, o que me deu a possibilidade de também reparar no que mais me interessava na paisagem humana.
Enquanto fiz o meu papel de jornalista de folga, fui desafiado por um cidadão a dar uma volta ao edifício para o ouvir dizer que o beirado da igreja mostrava que havia várias falhas no telhado, que os milhões gastos na obra não deram para terem mais cuidado no cimento que espalharam nas paredes (que a visão de quem passa na rua não alcança), para além das severas críticas ao facto de não terem colocado os leões de pedra à entrada do monumento, uma vez que são parte da memória do local (vou ficar por aqui porque o homem parecia mesmo um fiscal das obras).
Cheguei ao templo a tempo de ver a Ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, a conviver como um à vontade que não é habitual num membro de um governo, e tiro-lho o chapéu porque não a vi ser confrontada com as políticas centralistas dos governos da nação, de que Santarém tem bastantes queixas, e muito menos a ser questionada sobre políticas públicas para a cultura. A anunciada presença e iminente chegada do primeiro-ministro fez da ministra da cultura uma simbólica figura da hierarquia dos poderosos que mandam nisto tudo. Políticas à parte deu para perceber que o novo presidente da câmara de Santarém, João Leite, ganhou estaleca e não deixa mal quem foi substituir. Luís Montenegro deu por isso e do que ouvi, com ouvidos de tísico, já que o som mal chegava cá fora, os caminhos para os gabinetes de Lisboa estão escancarados. Agora é preciso saber aproveitar.
Como é habitual no final do dia fui dormir a Lisboa, mas no dia seguinte já fui dormir à Chamusca, embora de verdade eu esteja noite e dia sempre na região, seguro que nem um barco preso a um salgueiro. Não acabo esta crónica sem contar que me perguntei o que fui fazer à inauguração da nova igreja de São João de Alporão, se a intenção era encostar-me a uma parede. Acho que fui à procura, que é aquilo que eu melhor sei fazer, embora, se eu soubesse onde está o que procuro, não andaria certamente à procura. JAE.

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