Visto à distância
Vistas à distância, muitas das nossas discussões são, tão só, sobre questiúnculas paroquiais. O olímpico alheamento que consagramos aos problemas estruturais, deveria envergonhar-nos profundamente. Mas não. Continuamos sólida e alegremente a empobrecer.
Quem tem o privilégio, de quando em vez, de poder sair deste rectângulo à beira mar plantado e dar umas pequenas voltas por aí – p.e., por essa Europa fora -, quando olha de longe para o nosso país, fica ainda mais angustiado pela pequenez da nossa condição. Não falo da sua dimensão física, mas da estatura pequenina que, teimosamente, insistimos em ostentar. Preferimos ser mirrados, macilentos e condescendentes connosco próprios, em vez de olhar em frente com predisposição para arriscar e vencer desafios.
Na realidade, vistas à distância, muitas das nossas discussões são, tão só, sobre questiúnculas paroquiais. O olímpico alheamento que consagramos aos problemas estruturais, deveria envergonhar-nos profundamente. Mas não. Continuamos sólida e alegremente a empobrecer.
Sabemos que existe muito para mudar para nos tornarmos mais produtivos, para nos modernizarmos, e para sairmos da mediocridade pantanosa onde nos vamos afundado. Porém, persistimos em jogos de pretensa inteligência política, onde cada um pretende ludibriar o outro com arengas tacanhas, onde se aposta tudo no processo, mas onde se despreza o resultado final. Ou seja, privilegia-se as mordomias de quem participa no processo e despreza-se a real melhoria das condições de vida dos portugueses.
O mais trágico é que até sabemos onde intervir, até sabemos o que teríamos de mudar, mas recusamos a fazê-lo. Estamos viciados na mandriice da pobreza de espírito e nas cumplicidades que tecem influências dissimuladas.
Estamos de tal modo entretidos com a pequena política, que pensamos que o mundo se esgota em nós próprios.
Pois é precisamente quando saímos de Portugal que nos apercebemos do nosso subdesenvolvimento. Basta, p.e., andar de comboio em qualquer país da Europa para constatar, imediatamente, a decadência da nossa ferrovia.
Estamos a ficar inúteis e insignificantes e, mais grave do que isso, sabemo-lo, mas não nos importamos.
Um dos sectores em que se tem de intervir é na Justiça e em toda a sua dimensão processual. Continua-se a proferir grandiloquentes discursos, a recitar poéticos desígnios, mas ninguém se atreve a mudar nada.
Os 10 anos da “Operação Marquês”, em que um ex-primeiro-ministro de Portugal - José Sócrates - foi detido e em que o julgamento ainda nem sequer se iniciou, evidenciam, flagrantemente, muito do nosso atávico atraso. Políticos, magistrados e advogados, não querem perceber que este é, simplesmente, o processo judicial mais importante dos últimos 50 anos.
A quantidade de expedientes que a lei permite - com incidentes processuais manifestamente dilatórios apresentados por José Sócrates -, descredibilizaram, profundamente, todo o sistema judicial português aos olhos do cidadão comum.
Também não deixa de ser no mínimo estranho que alguém que tem pendente sobre si uma acusação e que se diz inocente, não pretenda que o seu julgamento se realize o mais rápido possível.
Mas ainda mais estranho, é que políticos que assistem a tudo isto, impávidos e serenos, perante um sistema judicial que urge de reformas profundas, não mexam uma palha para alterarem o quer que seja. A aparente ingenuidade é tanta, que até dói.
Ao contrário do que muitos afirmam, não é a Justiça – e o seu possível falhanço - que aqui está em causa. Não. O que estará em causa se José Sócrates não for a julgamento, é a própria democracia e o sonho do Portugal moderno e desenvolvido.
O povo, por seu lado, vai assistindo a tudo e já tirou as suas conclusões.
Por isso e pelo meu lado, enquanto puder, vou dar cada vez mais prioridade a passeios para fora deste rectângulo.
P.N.Pimenta Braz