Opinião | 20-12-2024 23:05

Centrais nucleares só com apoio dos Estados

A. Mota Redol*

O governo francês prepara-se para conceder um empréstimo a juro zero à empresa de electricidade francesa EDF (Eléctricité de France) para a construção de 6 reactores nucleares anunciados pelo presidente Macron em 2022.

Segundo uma notícia da Reuters de 17 de Novembro de 2024 em texto assinado por Benjamin Mallet, o Governo francês está disposto a fazer um empréstimo a juro zero à empresa de electricidade francesa EDF (Eléctricité de France) para a construção de 6 reactores nucleares num total de 10.000 MW anunciados pelo presidente Macron em 2022.

Sendo considerado uma ajuda do Estado, este empréstimo tem ainda de ser aprovado pela União Europeia.

Acrescenta a notícia da Reuters que esta prática também foi utilizada na República Checa, mas apenas para um reactor. E assim se faz o brilhante caminho da energia nuclear! O país tem reactores nucleares fornecidos pela antiga União Soviética.

Recordar que, há pouco tempo, foi colocada a possibilidade de um dos reactores da central de Three Mile Island (a tal da fusão parcial do núcleo de um dos reactores em 1978) e o reactor da central de Palisades, já encerrados há anos, reabrirem, com apoio financeiro da entidade reguladora e fiscalizadora estatal, a Nuclear Regulatory Comission (NRC).

A EDF, empresa única no sector, que foi estatal, depois foi em parte privatizada em 2004 e foi renacionalizada em 2023 na parte ainda privada, pois sucediam-se os prejuízos e a iniciativa privada não quis continuar no negócio. Por isso, também a banca não quis continuar a financiar uma empresa com uma enorme dívida.

Sendo os reactores nucleares um investimento altíssimo e altamente arriscado, o Banco Europeu de Investimento já declarou que não desejava financiar investimentos naqueles equipamentos. Recorda-se que um reactor nuclear de 1.000 MW pode custar entre 12 mil milhões e 20 mil milhões, segundo informações de várias origens e dependendo de o reactor ser construído em parelha com outros, aproveitando-se equipamentos e construção civil comuns, se se consideram ou não os encargos financeiros durante a construção - o que é habitual ser considerado na análise de projectos – , o tempo de construção – o qual tem vindo a derrapar - , os encargos com o desmantelamento de cada reactor – que nos anos 80 se estimava em 10% do investimento, mas hoje se estima em 100%. A propósito do desmantelamento, alerte-se que reactores que foram programados para uma vida de 25-30 anos, têm agora 40 e 50 anos, pois as empresas proprietárias tentam adiar os elevados encargos com esses complicados e muito demorados processos de desmantelamento, com a complacência das autoridades reguladoras e fiscalizadoras, e pressionando para os Estados os pagarem na totalidade ou em parte substancial.

Aliás, vem a propósito recordar que nos anos 70 e 80 várias empresas de energia eléctrica estadounidenses foram à falência em virtude de terem investido em energia nuclear e os problemas que resultaram do mau funcionamento com avarias repetidas, da necessidade de substituição de equipamentos deficientes ou de grandes atrasos na construção ditaram tal desfecho. As empresas que vingaram sofreram prejuízos enormes.

Também as empresas de construção de reactores faliram, nomeadamente o sector nuclear da Westinghouse, que ainda foi comprado pela Toshiba em 2006, mas encerrando em 2018. Recentemente parece ter ressuscitado

Além da citada ajuda ao investimento, o Estado francês deve ainda garantir o preço da energia produzida.

Para quem defende o liberalismo económico tal orientação não é muito coerente!

Recorde-se que, em Portugal, quando o Governo do PSD decidiu privatizar partes da EDP e vender a central a carvão do Pego, construída pela empresa, a um grupo privado estrangeiro, também garantiu a aquisição da energia produzida a um determinado preço e garantiu o pagamento de um mínimo mesmo que a central não produzisse devido às condicionantes do consumo e da produção hidroeléctrica. Foi uma ideia da responsabilidade do Ministro da Indústria Eng. Mira Amaral, perante a ausência de candidatos à aquisição da central. Dois ou três anos depois da central estar a funcionar, o Presidente do Conselho de Administração, estrangeiro, gabava-se, numa entrevista a um jornal português, que o investimento estava totalmente recuperado. Um negócio da China sem chineses!

Recorde-se ainda que, em 2005, o empresário Patrick Monteiro de Barros - que ainda há pouco tempo defendeu convictamente o recurso à energia nuclear em Portugal num texto publicado no jornal Sol em 19 de Janeiro de 2024 – desejava promover a construção privada de uma central nuclear. Embora o empresário declarasse em entrevistas a jornais que não necessitava de «um tostão do Estado», no sector da energia elétrica, que tinha boas relações com o Governo, circulava a informação de que ele pretendia um apoio do Estado de 2/3 do valor do investimento. Tinha o apoio do Eng. Pedro Sampaio Nunes, que chefiava uma equipa (na empresa ENUPOR) onde também estavam técnicos que tinham pertencido à Direcção-Geral de Combustíveis e Reactores Nucleares Industriais da Junta de Energia Nuclear, Direcção-Geral a que também pertenceu o autor do presente texto. Na altura promoveram uma grande acção de propaganda nas instalações da Feira Internacional de Lisboa, mas, apesar das pressões, não conseguiram convencer o Governo.

A energia nuclear designada por civil sempre recebeu os apoios financeiros de entidades públicas e a indústria nuclear – construção de reactores e combustível – sempre beneficiou da investigação realizada por entidades públicas, quer no domínio militar, quer civil, pois a separação não é possível. Nos EUA, como em França e no Reino Unido, e também na União Soviética, a ligação foi natural e nunca negada. Aproveitaram-se para a versão civil os ensinamentos da versão militar e foi por aqui que tudo começou.

Nos EUA, as empresas aproveitaram a investigação realizada por entidades estatais, mas realizaram a sua própria investigação, de que resultou a existência de patentes. Por exemplo, no caso da Westinghouse, no pagamento de direitos pela Framatome francesa. Aliás, aquela participou na fundação desta.

Em França, o Comissariat à l’Energie Atomique (CEA), ainda hoje existente e continuando a investigar neste domínio, desenvolveu tipos de reactores nucleares – a urânio natural (em vez dos actuais a urânio enriquecido), grafite como moderador e gás (em vez de água) - diferentes dos actualmente comercializados, realizou programas de investigação dispendiosos e que a indústria utilizou.

E também investigou no domínio do combustível nuclear. E nos chamados reactores reprodutores de que a França chegou a construir uma unidade de grandes dimensões, o Superphénix (depois do Phénix) que acabou por ser encerrado, porque os problemas técnicos que se foram manifestando foram intransponíveis e a oposição da opinião pública foi muito grande.

Quando o Governo francês decidiu abandonar o tipo de reactor que o CEA implementara, e de que havia vários exemplos em serviço – os primeiros que a França teve – verificou-se uma reacção enorme dos técnicos daquela entidade e da opinião pública. Mas a opção estadounidense venceu.

Estas entidades públicas de investigação nuclear prepararam muitos técnicos experientes que depois foram contratados pelas empresas. Mas também formaram técnicos dessas mesmas empresas por acordos com elas.

Ora a indústria nuclear francesa, privada, beneficiou de toda essa investigação cujo know-how lhe foi fornecido. É verdade que a empresa de construção de reactores, a Framatome - fundada em 1958 com a participação da Westinghouse, que forneceu diferentes patentes -, perante uma insuficiência de encomendas durante muitos anos, foi reestruturada, passou a chamar-se por algum tempo Areva e acabou por ser integrada no grupo EDF (80%, com o restante na posse da Mitsubishi Heavy Industries), e a empresa de fabrico dos elementos de combustível, que vão constituir o núcleo dos reactores, a qual passou por várias reestruturações e nomes (Cogema, Areva, Orano) devido aos prejuízos, está agora nas mãos do Estado. De uma maneira geral todo o ciclo do combustível desde a mineração, agora com a Orano - que neste domínio actua, não em França, que não possui reservas de urânio, mas nos países fornecedores - possuída maioritariamente pelo Estado francês.

A produção de energia eléctrica francesa de origem nuclear chegou a atingir 80%, embora depois tenha decrescido, com a introdução das renováveis. No entanto, apesar de a EDF proclamar, a partir dos anos 70 e 80, que a energia desta origem era muito mais barata do que a originária no carvão, o facto é que as tarifas de energia eléctrica em França se mantiveram durante muitos anos perto da média europeia, onde também se situavam as portuguesas, e só há alguns anos atrás baixaram, certamente por pressão da indústria e do Governo, o que, certamente também, explicará os sucessivos défices da EDF e a sua enorme dívida.

Falando em apoios à indústria nuclear, não esquecer que quando foram detectados inúmeros cancros nos trabalhadores da Mina da Urgeiriça, em Portugal, e o Departamento de Protecção Contra os Riscos Profissionais do Instituto de Segurança Social, ao fim de 15 anos de luta dos atingidos e das famílias, analisou o assunto e propôs que fossem indemnizados ex-trabalhadores e famílias, em 235 casos, a proposta foi aprovada na Assembleia da República através da Lei nº 10/2016, votada por unanimidade. Mas foi o Estado que pagou as indemnizações, pois a empresa visada, a Empresa Nacional de Urânio (ENU), estatal, já tinha sido encerrada em 31 de Dezembro de 2004.

Os visados foram homenageados no Salão Nobre da Assembleia da República a 6 de Dezembro de 2016, era Eduardo Ferro Rodrigues presidente.

É evidente que na Rússia e na China, onde a instalação de reactores nucleares é a mais intensa do mundo, sendo as empresas totalmente estatais, os apoios financeiros são óbvios.

É defensável que uma tecnologia nova cujo futuro se entenda ser promissor possa ser apoiada financeiramente pelos Estados. É o caso das energias renováveis, quando na infância. Mas tecnologias como a nuclear, que têm cerca de 80 anos?

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