Incêndios: Lembrar o que se passou em Portugal em 2017 é uma obrigação de todos
O que é feito dos 75 incendiários sinalizados, alguns presos, do Verão de 2024? O tempo corre, não tarda, estamos no Verão de 2025 e os incêndios vão voltar. Há que ajuizar da inoperância, do descuido, da irresponsabilidade, da falta de acuidade e prevenção concertada, do desinteresse, de bem saber dirigir um País chamado Portugal. Estamos no Inverno, não tarda estamos no verão.
Os meses passam, o tempo corre. Sem darmos por isso, o Calendário avança no seu percurso, trazendo-nos, como sempre, motivos para nos alegrarmos, ou para nos entristecer, para nos causar tranquilidade, ou preocupações, para aceitar ou rejeitar o que nos vem bater à porta diariamente.
Começou, há poucos dias, o Novo Ano de 2025. Ficam-nos as recordações de 2024 e também, algumas lembranças, boas ou más, de alguns anos já passados. Assim é, desde que nascemos, até que envelhecemos. Sempre os mesmos votos repetidos em cada ano, a desejarmos saúde, paz, sucesso, ou a realização de sonhos – para nós e para os outros, com a luz da esperança, a acompanhar o nosso caminho, numa teima continuada, embora cada vez de luzinha mais apagada e mais distante.
Lembrei-me hoje do ano de 2017.
Mais concretamente, do fogo do dia 20 de Junho, quando uma das frentes activas do grande incêndio de Pedrógão Grande (vila portuguesa do distrito de Leiria, na província da Beira Litoral), confluiu com a frente principal do incêndio de Góis (no distrito de Coimbra), formando uma frente de fogo única com 58 Km de extensão, o que levou à evacuação de 27 aldeias, dando origem a 50 mortes confirmadas, metade das quais no distrito de Coimbra.
Tenho uma casa recuperada, numa aldeia da Beira Litoral e não é fácil estar ausente, sabendo do perigo que a rodeou (e infelizmente rodeia). Os habitantes são poucos e passam «o tempo dos incêndios» em prevenção contínua, dia e noite, sem descanso, e sempre medrosos do que pode calhar-lhes em sorte. Eu temo também pelo que é meu, enquanto os dias frescos outonais não vêm atenuar e pôr fim ao flagelo
Por outro lado, em Pedrógão Grande, de 15 a 16 de Outubro, o fogo provocou, além de 50 mortes, 70 feridos graves e a destruíção total ou parcial de cerca de milhar e meio de casas e mais de 500 empresas, a constituir o agravamento do desemprego. As chamas obrigaram a evacuar localidades, a realojar populações e a cortar o trânsito em dezenas de estradas.
Nos fogos de Junho e Outubro desse ano, somam 115 as vítimas mortais em Pedrógão Grande e Mação. Só aqui, arderam mais de 24 mil ectares florestais, contando-se, nesse ano, consumidos pelas chamas em todo o país, 539.921 hectares. Constituiu o incêndio rural mais mortal de sempre em Portugal, com 7 dias a arder ininterruptamente.
O dia 15 de Outubro, já depois da chamada época crítica de incêndios, ficou registado como o pior dia do ano em número de fogos, com mais de 500 activos, tendo as chamas atingido, particularmente, 27 concelhos da região Centro, sobretudo os distritos de Viseu, Guarda, Castelo Branco, Leiria. Aveiro e Coimbra
2017 ficou marcado como o pior ano em Portugal, quanto a incêndios florestais, com os dias 17 de Junho e 15 de Outubro, a ficarem na memória de todos nós.
E muito mais havia a dizer. Isto, por exemplo:
«A Comissão Técnica Independente (CTI) informou que os fogos de 2017 constituiram um fenómeno inédito resultante da conjugação de factores meteorológicos. No entanto, afirmaram, que as queimadas (que já ninguém faz, temendo as multas e o perigo que representam) e o fogo posto, foram as duas principais causas das mais de 900 ignições (leia-se incêndios, como sempre se escreveu e leu!)) registadas nestes fogos, considerando-se preocupante a quantidade de reacendimentos.»
E mais isto:
«Depois das recomendações da CTI e do trágico ano em incêndios, o Governo realizou, a 21 de Outubro, um Conselho de Ministros extraordinário, de onde saiu um conjunto de medidas para proteção civil, floresta e apoio às vítimas e zonas afetadas.
Antes destas medidas, o Governo tinha anunciado uma reforma para a floresta, que foi aprovada já depois dos fogos.»
Ou ainda isto:
«Os incêndios que devastaram também o Pinhal de Leiria em 2017, estão longe de ser algo do passado. Hoje, a maior parte da mata está ainda sem plantação – o que se torna terreno fértil para a proliferação de espécies invasoras.»
O ano de 2017 não foi um ano para esquecer, mas, antes, um ano para lembrar – gravado na memória dos nossos dias menos felizes.
Há que ajuizar da inoperância, do descuido, da irresponsabilidade, da falta de acuidade e prevenção concertada, do desinteresse, de bem saber dirigir um País chamado Portugal. Para muitos portugueses, nesse ano não houve Natal, nem passagem do ano. As lágrimas não tinham sido todas choradas – e não o vão ser nunca. O luto há-de permanecer para muitas e muitas famílias.
Lembrar o que se passou nesse Verão de 2017 é uma obrigação de todos nós. É preciso que a tragédia não volte a ensombrar as nossas vidas. Para isso, que se apressem os nossos governantes. É urgente tomar medidas responsáveis, eficazes e justas. Chega de discursos repetitivos e balofos, de frases feitas e bem enroupadas, de medidas anunciadas e nunca cumpridas.
O tempo corre, não tarda, estamos no Verão de 2025 e os incêndios vão voltar. O que é feito dos 75 incendiários sinalizados, alguns presos, do Verão de 2024? Estou bem lembrada das palavras proferidas na altura pelo Primeiro Ministro Luís Montenegro: «Não vamos regatear nenhum esforço na ação repressiva. Não podemos perdoar a quem não tem perdão, não podemos perdoar atitudes criminosas que estão na base de muitas ocorrências»
Fala-se muito, promete-se muito, mas entre o final do Outono, o Inverno e o início da Primavera, o assunto dos fogos e, sobre tudo, dos incendiários, é votado ao silêncio Desaparece dos jornais, da Net, da Rádio, da TV, das Redes Sociais. Não há notícias, não há informação oficial. O assunto só volta a reacende-se, tal como as chamas, com a chegada, pelo final da Primavera e pelo Verão adiante, sem quaisquer medidas de solução, mas com o massacre diário, da informação do número de «ignições» (?) que vai matando os cidadãos e devastando o País
Senhores governantes são necessárias acções que dêem sentido e credibilidade ao Poder que tomaram nas mãos. Que visem acautelar a vida de um povo e o vulto de um País. A partir das promessas do Primeiro Ministro Luís Montenegro, no que respeita aos incendiários, não há mais desculpas!
Soledade Martinho Costa
Escritora