Atouguia celebra São Sebastião com o tradicional leilão dos cargos
O lugar de Atouguia, em Alenquer, revive as suas tradições seculares com as festas em honra de São Sebastião, entre 24 e 26 de Janeiro. Organizados pelo Atouguia Futebol Clube, os festejos incluem bailaricos, missas e o tradicional leilão dos “cargos”.
O lugar de Atouguia, Alenquer, prepara-se para receber as festas seculares em honra do mártir São Sebastião.
Os festejos são organizados pelo Atouguia Futebol Clube e realizam-se dias 24,25 e 26 de Janeiro. Os dois primeiros dias (sexta-feira e sábado) são dedicados aos bailaricos, Dj’s e demais festejos populares. No domingo é celebrada missa na Capela de São Sebastião, seguindo-se durante a tarde o “leilão dos cargos”, ritual que se perde nos tempos, e cuja receita reverte, totalmente, para conservação da capela, incluindo uma missa por alma dos defuntos.
O símbolo da festa, são os “cargos”, armações resistentes, feitas com ripas de madeira de pinho, revestidas com murta. Neles são montados os bolos em forma de ferradura (de peso aproximado a um quilo cada), com uma laranja atada a cada bolo. Bolos e laranjas são dispostos na vertical, de maneira a formarem, alternadamente, uma fila de bolos, outra de laranjas. No cimo de cada “cargo” é colocado mais um bolo, a “argola”, com uma ou duas laranjas, enfeitado com um laço de fita vermelha de pontas caídas.
Segundo a praxe, a pessoa que arrematar um “cargo”, fica obrigada a oferecer no ano seguinte um outro “cargo”, que leva o nome de “cargo melhorado”. As “argolas” são sempre pertença dos leiloeiros mordomos.
Após o leilão dos “cargos”, segue-se o leilão do “bolo de açafate” (de três a quatro quilos, acompanhado da ritual laranja). À semelhança dos “cargos”, a pessoa que o licitar deverá apresentar um novo açafate na festa do ano seguinte.
Os “cargos” continuam a ser colocados sobre uma mesa, à entrada da igreja, coberta, em épocas passadas, com os panos de renda de São Sebastião (hoje já desaparecidos), enquanto, como penitência, era uso as pessoas oferecerem-se para suportar às costas o peso dos “cargos”, passeando-se, em voltas rituais entre o povo, enquanto durava o leilão.
Hoje já não se faz penitência, nem uns pequenos bolos tradicionais, dispostos em grande quantidade sobre a mesa de São Sebastião, que o rapazio vendia, dentro de cestos, principalmente, a quem vinha de fora. Passaram mais tarde a ser vendidos na colectividade porque há sempre quem os compre.
Retomou-se também a tradição do leilão começar no adro da igreja, às 15h00 de domingo, no final da missa, praxe que durante vários anos deixou de realizar-se para decorrer, apenas no Salão Nobre da Colectividade Recreativa de Atouguia.
Os próprios bolos dos “cargos”, que tinham deixado de ser feitos, segundo a tradição, por uma família de Atouguia (posteriormente encomendados a uma boleira), voltaram a ser confeccionados segundo a fórmula tradicional, graças à família que os fazia, cuja receita transmitiu à padaria da terra. A contento dos habitantes de Atouguia, que, de há muito, desejavam que os bolos do Mártir São Sebastião fossem feitos artesanalmente, nos fornos de cozer pão à maneira antiga.
O cortejo dos “cargos”, iniciado no largo da igreja, vai percorrendo as ruas, acompanhado pela fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Alenquer fazendo três paragens, para proceder-se aos respectivos leilões. Na colectividade prossegue o leilão, até os “cargos” serem entregues a quem mais alto os licitou.
Por tempos idos, guardava-se para o final, o leilão de um terreno, pertença de São Sebastião, tendo, quem o arrematava, direito a cultivá-lo durante dois anos para retirar da terra o ensejo, como então se dizia, semeando nele batata, fava, trigo ou centeio. Nos dias que correm o terreno de São Sebastião deixou de ser leiloado limitando-se a servir de pasto aos animais.
Havia ainda um certo número de oliveiras, pertencentes ao orago (da peste, da fome e da guerra), cuja azeitona era colhida e entregue no lagar. O dinheiro do azeite obtido, igualmente leiloado, revertia, à semelhança dos “cargos” e dos “açafates”, para benefícios e encargos da capela (luz, água, velas, entre outros).
Ao contrário do que seria suposto, não faz parte da tradição destes festejos fazer-se a procissão do mártir São Sebastião, que raramente sai no seu andor.
A população de Atouguia pediu, entretanto, à Câmara Municipal de Alenquer para que a festa seja classificada como Património Imaterial Municipal.
A Festa dos Leilões era também realizada na aldeia da Mata de Palhacana pelo Natal, sendo conhecida por Natal da Mata, que se fazia para servir o mártir São Sebastião.
Hoje, escolhe-se apenas o seu dia para glorificá-lo, oferecendo-lhe o povo as suas esmolas. Da festa, propriamente dita, ficaram os bailes e a recordação.
O MIRANTE com Soledade Martinho Costa
Do livro Festas e Tradições Portuguesas, Vol. I
Edição Círculo de Leitores
Foto: os “cargos”