Opinião | 23-01-2025 07:00

Para uma História da Imprensa Local e Regional

Para uma História da Imprensa Local e Regional

Ainda hoje, devido à nossa experiência no terreno, servimos de interlocutores a muita gente que já não tem como se orientar num negócio que perdeu referências, foi alvo de assalto por parte dos políticos durante as últimas décadas, e cuja existência como sempre o conhecemos está em fase terminal. Falar em associações do sector e ao serviço do sector é o mesmo que falar do triste destino que teve a protagonista do fado da Casa da Mariquinhas.

Para uma história da imprensa local e regional pode dar um livro ou pode nem sequer passar de meia dúzia de artigos para não deixar esquecer aquilo que tenho obrigação de dar testemunho.
Começo por um assunto que não merece discussão: cada vez que escrevo um texto ou dou o coiro para contar uma história que escrutina os poderes instituídos, fico sempre com a sensação de que poderia fazer melhor; que podia ir mais longe, que não devia ter sido tão meigo a escrever. A minha condição de jornalista por conta própria, e a experiência adquirida nos 37 anos que já levo nesta profissão, deram-me uma vida de grandes desafios, mas também de grandes experiências. Cedo, muito cedo, participei no movimento associativo e empresarial e tive contacto com os grandes do jornalismo e das direcções editoriais dos principais jornais. Não fiquei no meu cantinho a entrevistar os priores das freguesias, a dirimir guerras de alecrim e manjerona, fui ao encontro, desafiei ministros e secretários de estado para defender o meu jornal quando atingimos tiragens recordes e vivíamos o tempo das vacas gordas. Uma vez consegui reunir à volta de uma mesa, na sede dos CTT, em Lisboa, oito administradores, directores e chefes só para discutirem a melhor forma de não falharem a entrega semanal à quinta-feira dos 25 mil exemplares de O MIRANTE. E só precisei de me indignar, de falar alto dos meus direitos como cliente, de fazer aquilo que ainda hoje faço embora agora já tenha quem me substitua e seja muito melhor do que eu a tratar destes assuntos.
Ao longo de mais de três dezenas de anos não falhei um congresso de jornalistas no tempo em que todos os anos discutíamos o sexo dos anjos, mas discutíamos. Hoje não há discussões, embora o sexo e os anjos continuem a ser uma boa razão para discutirmos, certamente agora mais do que nunca. Conheci e fui recebido pela maior parte dos membros do governo que tiveram a pasta da comunicação social. Fui sempre aos seus gabinetes protestar, nunca baixar a cerviz. De alguns tornei-me confidente e falei de assuntos da caserna que frequentava, mas depressa percebi que estava a ser usado. Só quem não conhece os políticos profissionais é que confia neles. Aprendi a tempo (estultícia minha porque a política está sempre presente no nosso trabalho e é difícil garantir que não estamos a ser usados quando as nossas fontes são também os nossos principais interlocutores).
Nunca quis ser accionista da agência de notícias do Estado embora tenha sido convidado e desafiado. Nunca negociei as dezenas de projectos de rádios e de jornais que me foram oferecidos ao longo destes últimos 30 anos. As minhas respostas ainda hoje são iguais às de antigamente: só quero ser jornalista de um jornal e não me interessa o futuro da concorrência se o assunto é falta de dinheiro e de bons profissionais. Fizemos duas ou três parcerias ao longo destes anos, mas sempre ao nível da distribuição para cumprirmos o desígnio de chegarmos ao máximo de leitores na região onde trabalhamos. É uma missão que nunca está terminada se o jornal for bem dirigido.
Não tenho medalhas nem quero ter; jamais aceitarei homenagens seja de quem for, e muito menos daqueles para quem trabalhei por dever de camaradagem neste sector tão difícil da comunicação social de proximidade. Ainda hoje, devido à nossa experiência no terreno, servimos de interlocutores a muita gente que já não tem como se orientar num negócio que perdeu referências, foi alvo de assalto por parte dos políticos durante as últimas décadas, e cuja existência como sempre o conhecemos está em fase terminal. Falar em associações do sector e ao serviço do sector é o mesmo que falar do triste destino que teve a protagonista do fado da Casa da Mariquinhas.
Recordo que a distribuição está nesta altura nas mãos de duas empresas distintas, mas que vivem igualmente de outros negócios muito, mas muito mais rentáveis, e que basta que uma delas tenha uma constipação para que a grande maioria dos jornais não saiam da gráfica depois de impressos. Das máquinas de impressão de jornais estamos conversados: uma boa parte de nós está a imprimir em Espanha, o que diz bem do estado a que chegámos.

Nota: Na passada semana, no dia em que comecei a escrever esta crónica, fui dar um abraço ao Sérgio Carrinho que no outro dia comemorava 76 anos. Perguntei-lhe em jeito de brincadeira se ele ainda se lembrava das vezes em que o tirávamos do sério com alguns textos. A resposta foi uma grande gargalhada, depois os olhos húmidos, e depois um “grande cabrão”, quem sabe nome o nome mais carinhoso que eu merecia ser chamado, e que ele poderá esquecer a curto prazo porque a saúde começa a faltar-lhe e um dia destes também lhe faltarão, a ele e a nós, as palavras certas no momento certo. JAE.

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