Tempos maus?

Mantendo-se o Homem à superfície da terra como um factor (in)constante, o que muda hoje é a tecnologia ao seu dispor. As guerras, essas, vão continuar. A nossa esperança tem de ser construída na luta firme pelo Estado de Direito, pelas democracias liberais e, sobretudo, por uma ideia de liberdade.
Poderá parecer irracional, ou que vivo noutro planeta, mas irei ser, certamente, politicamente incorrecto: vivemos os melhores tempos da Humanidade. Sim, adivinho agora risos sarcásticos e até, quiçá, algo condescendentes. “Este tipo é doido”, dirão alguns, “ou deve ser apoiante do Trump e do Putin”, dirão outros. Se quanto à primeira asserção serei sempre suspeito de a negar, já quanto à segunda estou no polo oposto: acho aquelas duas figuras absolutamente dispensáveis. Contudo, semelhantes a muitas outras que foram irrompendo ao longo da história.
Nunca se viajou tanto, nunca se curaram tantas doenças, nunca se produziu tanto alimento – embora ainda se morra de fome -, nunca tantos fugiram da miséria e, enfim, nunca se morreu tão tarde. De tal modo que, convivendo-se cada vez menos com a morte, exacerbou-se exponencialmente o hedonismo, o que tem tornado a dor, o sofrimento e a morte, factores totalmente insuportáveis. Só que, ao escondermos a morte, retiramos o sentido à vida.
Bom, mas e as guerras que, justamente, tanto nos apoquentam hoje em dia? Pode parecer bizarro, mas sempre existiram e em maior quantidade.
Como sempre, o Homem continua egoísta, ávido de poder e de riqueza, ambicionando desmedidamente ficar na história, nem que seja com um busto algures numa pequena praça de uma qualquer recôndita aldeia. O que difere de tempos de antanho, é a tecnologia que se encontra à disposição da arte da guerra. Passámos de uns calhaus e de umas mocas do tempo das cavernas, para os actuais drones e mísseis hipersónicos. O armamento hoje existente tem um poder destruidor incomensurável.
Faça-se um singelo exercício imaginativo: utilizar o actual dispositivo militar em conflitos do passado. Os seus efeitos seriam absolutamente devastadores. Enquanto que nesses conflitos foram necessários muitos anos para causar milhões de cadáveres, as armas modernas fariam isso em dias ou até minutos. Resultariam no extermínio de nações inteiras, algo que raramente aconteceu no passado devido às limitações tecnológicas.
Na revolta de An Lushan, na China (755 – 763) onde as estimativas de mortos variam entre os 13 e os 36 milhões, o que teria sido com mísseis e carros de combate? Na guerra dos Trinta Anos (1618–1648), com 4,5 a 8 milhões de mortos, com bombas de fragmentação e snipers de longo alcance, a destruição seria incomparável. Nas invasões Napoleónicas (1803–1815), com 3,5 e 6 milhões de mortos, a famosa Grande Armée teria sido facilmente dizimada antes de marchar sobre a Rússia. E na Revolta Taiping na China (1850-1864), onde pereceram mais de 20 milhões de pessoas, o que teria sido com a utilização de artilharia moderna, armas nucleares e metralhadoras?
Cá no burgo, a guerra civil (1828-1834) que causou cerca de 100 mil mortos, teria sido muito mais curta e mortal. Com aviões de caça, drones e artilharia moderna, o cerco do Porto poderia ter sido resolvido em dias. Um ataque aéreo aos quartéis de D. Miguel, poderia ter aniquilado as forças absolutistas rapidamente - Santarém teria desaparecido…
A carnificina em todos esses conflitos seria facilmente multiplicada por 10.
Mantendo-se o Homem à superfície da terra como um factor (in)constante, o que muda hoje é a tecnologia ao seu dispor. As guerras, essas, vão continuar.
A nossa esperança tem de ser construída na luta firme pelo Estado de Direito, pelas democracias liberais e, sobretudo, por uma ideia de liberdade, essa sim, sempre imperfeita, mas uma conquista extraordinária que importa manter a todo o custo. E, às vezes, é mesmo preciso lutar a sério pela liberdade.
P.N.Pimenta Braz