Opinião | 10-04-2025 07:00

Ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros e assim o SNS não passa da cepa torta

Ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros e assim o SNS não passa da cepa torta

As ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros; de reunião em reunião parece que isto vai, mas depois nunca vai. Nestes últimos tempos os serviços de obstetrícia não funcionam regularmente porque não há médicos, mas os serviços estão cheios de enfermeiros e enfermeiras de braços cruzados sem trabalho. Como a classe não trabalha sem médicos, então não trabalha ninguém.

A idade de um colunista de imprensa tem muito a ver com o seu estilo. Regra geral os velhos jornalistas são mais amargos a escreverem, enquanto os mais novos trazem para o debate questões mais leves, divertidas e muitas vezes felizes. Faço sempre este exercício quando escrevo, e tento moderar-me para não contribuir para o azedume que estraga grande parte dos nossos dias, mesmo antes de chegarmos a casa e vermos os noticiários miseráveis que as televisões nos oferecem.
Num dos últimos fins-de-semana fui fazer um retiro de yoga onde pratiquei pela primeira vez na água. Mais uma vez era um homem entre mulheres. Nada que não me tenha já acontecido noutros retiros, e noutros cursos que frequento com regularidade. Desta vez encontrei uma enfermeira que trabalha com grávidas e faz parte de um grupo de profissionais que defendem com unhas e dentes o parto na água. Claro que a grande maioria dos hospitais não têm condições para a prática do parto na água, e mesmo quando têm os médicos torcem o nariz porque dá mais trabalho e exige mais tempo. Mas as histórias que ouvi ao longo de dois dias são de arrepiar numa área da saúde que deveria ser a primeira em qualquer hospital do mundo.
Como todos sabemos os serviços de obstetrícia da grande maioria dos hospitais do país estão em grandes dificuldades, sem urgências ao fim-de-semana, sem médicos durante muitos dias, num caos que certamente está a fazer aumentar a mortalidade infantil e o sofrimento às mulheres que, quase sem excepção, quando estão grávidas vivem momentos de grande angústia, não só com as dores mas, acima de tudo, com medo de perderem os filhos ou de nascerem com problemas de saúde.
O que mais ouvi, e me deixou perplexo, foi a frase chave que a enfermeira costuma transmitir às grávidas a quem reconhece capacidade de gerir o seu estado físico e espiritual: “do outro lado não está o inimigo, mas tu mulher tens que fazer o teu trabalho, não te podes entregar e calar a tudo o que te dizem e mandam fazer, se não fizeres a tua parte vai correr mal, tens que saber quais são os teus direitos”. Resumindo, para não estar aqui a escrever o óbvio e a bater no ceguinho, voltando a citar a enfermeira Inês: “as ordens profissionais estão sempre a ver as pilinhas uns dos outros; de reunião em reunião parece que isto vai, mas depois nunca vai”. Nestes últimos tempos os serviços de obstetrícia não funcionam regularmente porque não há médicos, mas os serviços estão cheios de enfermeiros e enfermeiras de braços cruzados sem trabalho. Como a classe não trabalha sem médicos, então não trabalha ninguém. E se chegar uma grávida à urgência que não conseguiu marcar a sua consulta, mesmo que vá a gritar com dores, vai ter que voltar pelo mesmo caminho de onde veio. Concluindo: a maternidade e o apoio à maternidade, que devia ser um trabalho único no Serviço Nacional de Saúde, é uma desgraça ao nível daquilo que se passa em qualquer pocilga ou estalagem no meio do nada, onde os políticos que nos governam facturam à fartazana, para depois receberem os dividendos em envelopes ou das contas bancárias dos seus testas de ferro.
Há quatro dezenas de anos, quando vivi estes problemas na pele, pagava a uma enfermeira para ter a certeza que nem os meus filhos nem a mãe deles ficavam à porta da maternidade ou atrasavam o parto porque os serviços estavam em greve ou não havia médicos suficientes. Hoje ouço, vejo e leio o que se passa nas maternidades e no SNS, e pergunto: quando é que as Ordens Profissionais vão deixar de andar a contar pilinhas, e os políticos que governam o país ganham vergonha quando começam a receber informações de que a mortalidade infantil está a aumentar devido a gravidezes mal vigiadas e acesso desigual a cuidados de saúde. JAE.

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