Chão de Maçãs é terra de turista à força

Chão de Maçãs é uma aldeia conhecida por se situar a pouca distância da estação de comboios de Fátima que continua a receber turistas que vão ao engano.
Chão de Maçãs é uma aldeia conhecida por se situar a pouca distância da estação de comboios de Fátima que continua a receber turistas que vão ao engano. A estação fica a mais de 20 quilómetros da cidade santuário e não tem assegurado qualquer transporte público ou particular que faça a ligação entre o destino de chegada e o destino procurado. Actualmente, fazendo uma pesquisa na internet, já é possível perceber melhor que a estação não é de Fátima mas de Chão de Maçãs-Fátima, o que deve minorar os transtornos de quem confia nas indicações online. Apesar de ter poucos moradores, Chão de Maçãs não tem muitas casas à venda e o casario está bem conservado.
Moradores de Chão de Maçãs lutam para que a aldeia não caia no esquecimento
A aldeia de Chão de Maçãs tem a curiosidade de pertencer a dois municípios, Ourém e Tomar. Os 30 habitantes da localidade decidiram unir-se no sentido de dar vida e dinamismo à aldeia. O MIRANTE visitou a povoação num dia de convívio entre moradores que juntou mais de meia centena de pessoas e conversou com alguns dos habitantes mais antigos.
Chão de Maçãs é uma aldeia pequena mas com muitas histórias para contar. Tem a particularidade de pertencer a dois municípios: o de Ourém e o de Tomar. A divisão é feita por uma estrada, que serve de limite entre os dois concelhos. A aldeia pertence às freguesias de Seiça, em Ourém, e de Sabacheira, em Tomar, estando localizada a uma curta distância da estação de comboios de Fátima, situada em Vale dos Ovos e que fica ainda a uns bons quilómetros da cidade santuário. A aldeia tem actualmente cerca de 30 habitantes. Chegou a ter cafés, uma mercearia, uma farmácia e escola, mas tudo fechou.
Recentemente, alguns moradores criaram um grupo que foi crescendo e agora já organiza convívios. O MIRANTE esteve em Chão de Maçãs num dia de convívio que juntou mais de 50 pessoas, e conversou com Artur Graça, Maria Guilhermina Santos e António Martins, três dos mais antigos habitantes da aldeia. O convívio começou com uma almoçarada e terminou com uma visita ao novo jardim da aldeia, um espaço recuperado recentemente.
Artur Graça, 81 anos, viúvo e pai de dois filhos, nasceu e cresceu na aldeia, tendo-se mudado para Lisboa com 13 anos. Conta que foi para Lisboa, ainda em criança, porque não gostava de estudar. “O meu tio levava-me à escola numa carroça puxada por uma mula. Eu inventava desculpas para não ir à escola, dizia que a professora não dava aulas porque estava com dor de dentes, depois o meu tio levava-me de volta para casa e eu ficava o dia inteiro no pomar”, recorda. Foi para a capital ao encontro da sua irmã, 13 anos mais velha e já casada. Artur Graça começou por trabalhar numa drogaria, andava com uma caixa de madeira de porta em porta a perguntar aos clientes se queriam lixívia ou petróleo, entre outros produtos. Insatisfeito com o trabalho decidiu procurar outra ocupação. “Havia perto da minha casa uma empresa de fogões e esquentadores, fui lá perguntar se eles me davam trabalho e aceitaram”, recorda. Viveu 56 anos na Amadora, tendo-se reformado no limite da idade, aos 65 anos. Quando se reformou decidiu voltar para Chão de Maçãs, onde mora sozinho até hoje. “Sempre adorei estar na aldeia, quando podia cultivar era uma maravilha. Agora já não posso cultivar, tenho um problema grave que me impossibilita, uma artrose nas costas”, refere. Agora, os dias são passados sobretudo em casa, onde tem animais e uma horta.
Memórias de uma infância feliz
Maria Guilhermina Santos, 83 anos, viúva e mãe de dois filhos, guarda muitas memórias da infância passada na aldeia. Nasceu em Almeirim mas passou grande parte da infância em Chão de Maçãs, na casa dos avós paternos. “Gostava muito de estar na aldeia, sentia-me bem, tinha uma tia solteira, dormia na cama dela e recordo-me perfeitamente à noite, nos dias de Inverno, estávamos todos à lareira a rezar o terço, eu era toda lavada e enxugada numa bacia de água que vinha aquecida da lareira, depois ia toda enroladinha para a cama. São imagens que ficam”, recorda.
A nível profissional, Maria Guilhermina Santos trabalhou como dona de casa durante toda a sua vida. “Casei nova, com 20 anos, o meu marido esteve na guerra do Ultramar, nasceu o meu primeiro filho que deu muitos problemas porque nasceu prematuro. Três anos depois nasceu a minha filha e acabei por ficar em casa a cuidar deles”, explica.
A morar em Almeirim, Maria Guilhermina Santos garante que nunca deixou de ter contacto com a aldeia. “Adorava vir à aldeia, era completamente diferente de Almeirim, eu aqui corria, saltava e brincava. Agora já venho muito pouco. A casa dos meus pais foi vendida, mas tenho saudades”, confessa.
De volta à aldeia à procura de paz e tranquilidade
António Martins, 79 anos, viúvo e pai de dois filhos, nasceu em Chão de Maçãs, mas passado poucos meses mudou-se para Lisboa com os pais. Enquanto estava na capital voltava várias vezes à aldeia. “Vinha periodicamente nas férias, tinha a casa dos meus avós, gostava de vir porque havia aqui alguma juventude, tinha um grupo de amigos e alguns ainda estão aqui hoje”, recorda. Trabalhou durante toda a vida em Lisboa como engenheiro electrotécnico. Em 1974, após o 25 de Abril, entrou para a CP – Comboios de Portugal, tendo feito toda a actividade profissional na ferrovia. Em 2006 reformou-se, a mulher faleceu, ainda esteve uns tempos em Lisboa, e em 2019 decidiu regressar à aldeia.
“Todos aqueles anos de stress da cidade, uma vida sempre muito intensa, estava um bocado saturado daquele ambiente e também do relacionamento das pessoas. Senti necessidade de regressar a uma zona mais calma, com um ambiente menos stressante e com um ar menos poluído, menos ruído, uma vida muito mais calma”, explica.
Agora, e desde que passou a morar permanentemente na aldeia, tem-se dedicado a criar projectos com o objectivo de dinamizar a localidade. “Chão de Maçãs é uma aldeia um pouco esquecida, também por culpa das pessoas que cá viviam e algumas ainda vivem.