O 25 de Abril e o apagão

O PCP deixou de ser no Ribatejo um partido mobilizador, os homens que lhe davam força foram morrendo no verdadeiro sentido da palavra, e outros foram morrendo para a ideia de que ainda podemos acreditar nos amanhãs que cantam.
A democracia portuguesa perdeu qualidades, 51 anos depois do 25 de Abril de 1974. O povo que saiu à rua já não é o mesmo que hoje vai ao arraial, embora a luta por um mundo melhor continue a ser uma boa razão para desfilar, ou simplesmente sair à rua, com o cravo vermelho ao peito.
Ouvi algumas comunicações/discursos sobre o 25 de Abril e corei de vergonha. Discursos pobres, sem conteúdos, a fugirem à realidade nua e crua, autarcas acomodados que, para não se incomodarem, escreveram e leram textos merdosos para tentarem escapar entre os pingos da chuva. Mas houve excepções, e desta vez Rio Maior foi a maior de todas, assim como a de Constância que aproveitou para recordar, pelos nomes próprios, os militares do concelho que morreram na guerra. Deixo mais informações para quem gosta de explorar a internet e as gravações das assembleias municipais onde alguns políticos locais fizeram figuras de bichos do mato com gravata.
Desde Abril de 1974 que conheço e tenho relação de amizade/proximidade com um homem que foi membro do Comité Central do PCP, deputado na Assembleia da República, dirigente e militante fervoroso. Nos últimos 30 anos comecei a vê-lo chegar do campo ao fim do dia com o seu tractor e no seu fato de trabalho. Para ele o dia 25 de Abril começou a ser comemorado no meio da Lezíria, onde ainda hoje ganha a vida todos os dias. Nos primeiros anos ficava indignado. Pensava cá com os meus botões: como é que alguém perde as suas convicções ao ponto de ir trabalhar todo o dia na data em que se comemora uma das revoluções mais bonitas que aconteceram no mundo, em que caiu uma ditadura quase sem um pingo de sangue. E ainda por cima foi um dos que mais saiu à rua e discursou das varandas.
Nunca lhe falei do assunto. Às vezes encontrava-o e falávamos de política, mas ele nunca disse mais do que aquilo que eu já sabia. Habituei-me, depois, a ver outros camaradas a fazerem exactamente o mesmo: a aproveitarem o feriado para trabalharem nas suas propriedades. O PCP deixou de ser no Ribatejo um partido mobilizador, os homens que lhe davam força foram morrendo no verdadeiro sentido da palavra, e outros foram morrendo para a ideia de que ainda podemos acreditar nos amanhãs que cantam. Hoje sou eu que escolho todos os feriados, incluindo o do dia 25 de Abril, para sujar as botas de terra do campo e cuidar da meia dúzia de árvores de fruto que vou partilhando com os pássaros. Vou ficando ligado às comemorações porque tenho essa obrigação, mas fico triste por ver como alguns autarcas maltratam a data, esquecendo que têm 50 anos de memórias para poderem trabalhar na data festiva, e um mundo virado do avesso como não tínhamos há 50 anos.
Meio século depois do 25 de Abril, e já que a regionalização está a ser feita de cu para o ar, paulatinamente, os municípios podiam aproveitar para realizar acções conjuntas de sensibilização das populações para minorarem os bairrismos doentios, as fronteiras que ainda existem entre vilas, aldeias e lugares, como se vivêssemos ainda numa monarquia.
O apagão do dia 28 de Abril foi uma espécie de revolução. Em algumas terras do Ribatejo parecia um dia feriado com a particularidade de haver mais gente na rua e nos parques, muito mais que aos domingos. Em Lisboa foi o caos. Mas só visto. Do aeroporto ao Martim Moniz havia centenas de pessoas a puxarem pelas malas a caminho dos hóteis onde iam dormir. E na cidade como nas vilas e aldeias muita gente de garrafões e sacos de comida preparavam-se para o pior que, felizmente, não aconteceu. JAE.